sábado, 26 de outubro de 2013

Tristezas não pagam dívidas

Observamos a plataforma, repetidamente, como se petrificados... O jovem segurança tenta consolar-nos sobre uma qualquer reza russa que, irremediavelmente, nem escuto. 
Revejo todo o meu dia na esperança de compreender onde perdi estes 2min. E, afinal, a vida é isso mesmo: feita de timings que se descruzam por segundos, minutos, horas ou dias suficientes para que não se conte uma história... nascem assim os desencontros, os desamores e as despedidas. Nascem, assim, os nossos fados.
Abandonámos a plataforma vazia sem que nos fosse, ainda, possível, traçar novos planos.
Atravessamos, uma vez mais, a sala de espera e vejo a desilusão surgir por entre os nossos ferverosos adeptos. O segurança responsável pelo RaioX levanta-se, surpreendido, também, pela nossa presença. Por entre gestos, pergunta-nos se o comboio já havia partido. Aceno-lhe, desiludida, que sim... 
"E agora?" - consigo escutá-lo no bracejar constante. E agora...? Agora é tempo de traçar planos secundários. E quantas vezes não se sobrepõem estes às cenas principais...?!
- Vamos à bilheteira, Marco! - digo, decidida. - Digo-lhe que perdemos o comboio, quem sabe se não nos devolve o dinheiro ou assim? Já dizia a minha avó Alice que burro cansado e pessimista não puxa carroça.
Entramos na bilheteira de longo curso e guichet após guichet busco um rosto supostamente simpático e bilingue. Missão de todo impossível.
Faço figas e escolho um de forma meramente aleatória.
- Do you speak english? - arrisco.
- Nyet - escuto-a apressadamente, vendo-a desistir à priori de qualquer conversação.
- And your partners? - insisto.
- Nyet, nyet - expulsa-me de imediato.
- Wait - insisto, já cansada, confesso! - I need help! - E mostro-lhe os bilhetes intactos, orfãos de um comboio sem tempo para esperar. Comboio esse reflexo de uma sociedade que, tantas vezes, não espera, também, dois meros minutos...
Vejo-a obedecer-me incomodada com a minha necessidade. Lê o meu bilhete e inicia todo um processo informático que, irremediavelmente, não entendo.
- Card! - ordena sob a simpatia russa que todos conhecemos, enquanto me apresenta um novo bilhete.
- O teu cartão - ordena-me o Marco perante a minha inércia.
- O meu cartão? Mas como o meu cartão? - respondo em bom português, dialecto irritado - Não decidi preços, horários, não decidi nada.
Respiro fundo.
- Wait - repito, em modo cansaço ao quadrado. E inicío toda uma explicação sob um jogo de mímica apreendido nas muitas horas investidas no Trivial Pursuit. [Desta vez, com sons à mistura... sem que o mau perder dos rapazes nos anulassem jogada sobre jogada. Bons tempos!] Recrio assim todo o episódio do comboio a partir, de nós a ficarmos e da tristeza estampada naqueles pobres bilhetes.
Ela acena afirmativamente em sinal de compreensão. E inicia toda uma uma explicação... Em russo! 
- I don't understand - digo-lhe, enquanto lhe agarro a mão, numa tentativa desesperada de a chamar à razão. E eis que sobre o discurso russo vejo surgir no canto inferior a linguagem gestual... Repetem-se os gestos e entendo, finalmente, que os recentes bilhetes não são mais mais que um recibo de devolução, que o cartão visa a recepção de 1/3 do valor perdido nos bilhetes abandonados e que temos um novo comboio dentro de 30min, numa carruagem idêntica à anterior, pelo mesmo preço. Contas feitas... 50€ de prejuízo total. Parece-me justo... Sorrio, finalmente. Por entender o russo, finalmente, ainda que sob a sua vertente mímica. E por encontrar um destino pouco depois de perder o meu...
Devolução do numerário, novo pagamento e nova emissão de bilhetes.
Vejo-a escrever num papel perdido o número da plataforma e repetir as horas de partida.
- Vão, vão rápido - escuto-a nos gestos repetidos.
Pego-lhe, uma vez mais, na mão, cruzo-lhe o olhar e na mais profunda sinceridade despeço me com um sentido Spasiba [Obrigada!].
Cá fora, levanto os novos bilhetes de forma a revelá-los aos nossos adeptos... os sorrisos sucedem-se. Vejo a esperança renascer no olhar de todos. Prometo não desiludi-los.


22h50
Parte o comboio, desta vez, connosco...

5 comentários:

  1. Raquel és uma lutadora e uma vencedora... Eu teria perdido as forças e tinha me rendido a mais uns dias em moscovo... Lol! Mas a tua determinação permitiu te apenas passar mais uns minutos em moscovo, praticar a linguagem gestual e perceber q mesmo atrás dos rostos fechados russos, pode sempre haver uma alma caridosa.... Espetacular!!! Só mesmo vocês... E pensa que os 50€ de prejuízo foram traduzidos num ganho de outra viagem... Talvez por q não tivesse de ser aquele comboio.... Um grande beijo para os viajantes..... Bjnho bjnho

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    1. Não tinhas nada... então tu, Andrea Sophia!!!
      Já pela real Republica???

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    2. Eu vou mesmo ficar por cabo verde, pela ilha do sal.... Não era bem o que queríamos.... Mas dadas a previsão das condições climatéricas das caraibas e de São Tomé e o propósito da viagem, tivemos d alterar o destino.... Dia 6 cá vou eu.... Raquel confesso que já estava a ressecar por notícias tuas.... Cintinuacao de boa viagem.... Queremos mais post's e fotografias... Mtos bjnhos para vocês...

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  2. Mai nada!!!!! E a viagem soma e segue!!
    Não é que eu pensasse que outra coisa iria acontecer, mas temos de manter a chama acesa!!!

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