quarta-feira, 30 de outubro de 2013

De regresso a Moscovo [parte II]...


Por fim, encontro dois russos na entrada de um edifício e abordo-os na esperança que me revelem, pelo menos, a rua em que se encontra o consulado.
- English? Do you speak english?
E o rosto fecha-se de imediato, recusando qualquer tipo de conversação. Tento iniciar todo um jogo de mímica que o meu destinatário ignora ao primeiro gesto.
Seguimos caminho..
Ao fundo, uma jovem e uma mulher dos seus 45 anos fumam um cigarro numa qualquer pausa durante o trabalho. Relembro a simpatia e os gestos verdadeiramente solidários com que a Rússia nos presenteou e dirijo-me a elas com pensamento positivo.
- Sorry, do you speak english? - pergunto, dirigindo o meu olhar na direcção da jovem dos seus 20 anos. Loira, de olhos rasgados e sorriso fácil, abanou a cabeça num sinal de negação. Não tinha mais de 1,60m, nem de 60kg. A sua beleza era inegável.
- Mongólia Embassy? - insisto. Novo aceno de cabeça. Mostro-lhe o mapa indicando-lhe a localização possível. Explico-lhe, gestualmente, a existência de uma igreja na mesma rua. Troca uma dúzia de palavras com a senhora ao seu lado que me inunda de perguntas num russo que, uma vez mais, não compreendo de forma alguma. Sorrio, numa mistura de vergonha e impotência.
- Desculpe, mas eu não consigo entênde-la! - respondo-lhe em português sincero e cansado.
Perante a desilusão do meu olhar manda-me esperar. Arranca-me o mapa da mão, onde havia antes escrito a morada do consulado, e entra porta dentro.
A jovem permanece, de sorriso fácil, junto de nós. Peço-lhe desculpa - pelo incómodo, por lhe roubar a pausa de chill out e por não ter memorizado devidamente a rua do consulado.
Sorri, uma vez mais, gesticulando uma espécie de "Não tem problema". Sorrio, em forma de agradecimento.
Cerca de 20min depois, abre-se a porta do edifício e avisto-a por entre um mar de papéis. Dirige-se a mim e reconheço o percurso traçado pelo google maps numa impressão precária, mas suficientemente perceptível, de uma impressora decerto retrógrada. Sorrio, uma vez mais envergonhada pelo transtorno causado.
Agradeço-lhes, verdadeiramente grata... Observo o mapa encriptado por um cirílico imperceptível e rezo para que não me conduza para a Embaixada ao invés do Consulado. Iniciamos o trajecto em passo acelerado. Primeira rua para a direita, segunda rua para a esquerda, nova rua à direita e eis que reconheço ao fundo a torre da igreja. Respiro de alívio, enquanto acelero o passo no desejo infindável de reencontrar o meu passaporte com o raio do visto.
Entro no prédio, novos controlos de entrada e dirijo-me ao guichet. Sob o vidro espelhado, vejo surgir os dois passaportes. No seu interior os vistos de 30 dias para a Mongólia... Não consigo deixar de sorrir...
Aproveitamos a proximidade e traçamos caminho pela Rua Arbat. A rua mais antiga de Moscovo inunda-se de pedestres, num entra e sai constante por entre as muitas lojas que a constituem. É impossível não encontrar o que quer que seja por aqui... A tarde esmorece! Percorremos a rua mais central de Moscovo até ao metro... é hora de "parar em todas as estações e apeadeiros". Sim, porque as 188 estações de metro são autênticas galerias de arte a céu escavado. E todas disponíveis pela módica quantia de 30RBL. Paragens obrigatórias, portanto... Na impossibilidade de visitar todas, iniciamos o roteiro que havíamos traçado com base nas supostas vinte estações mais bonitas de Moscovo. Torna-se inevitável a viagem no tempo.
Observo o relógio... 18:00 em ponto... recordo as malas abandonadas num qualquer museu e retomamos a viagem de metro rumo à estação pretendida. Viagem essa que, em hora de ponta, se revela uma tarefa árdua e longa. Não passassem, DIARIAMENTE, pelo metro de Moscovo 7 milhões de pessoas. Sim, milhões...
45 minutos depois, chegamos à estação desejada, envoltos numa nuvem de cansaço e sonolência... 19:30, relembro, o museu encerra às 19h30. Mergulho numa caixa de pessimismo e ocorre-me a hipótese de não chegar a horas. Afasto de imediato a ideia e acelero o passo...
Escadas rolantes, corredores intermináveis, novas escadas rolantes e avisto, finalmente, a superfície... Sinto o peso da impaciência nos meus ombros. As pessoas multiplicam-se numa tentativa incessante de chegar a casa e tropeço, de forma repetida, nos corpos que se me atravessam. Um tic-tac ensurdecedor ecoa sob mim e recrio os cenários possíveis face à possibilidade de não levantar as malas.
Das três uma...
A. Desisto do comboio para Kazã a fim de levantar as malas amanhã de manhã, na reabertura do Museu
B. Desisto das malas e sigo viagem com a restante bagagem
C. Parto o vidro da janela da casa-de-banho e invado o Museu até aos bengaleiros
Perante as possibilidades existentes, não encontro outra opção que não seja a de invadir o Museu de assalto. Sinto, já, o olhar reprovador do Marco mesmo antes de partilhar com ele o meu plano.
Cá fora, noite feita sobre um trânsito intenso típico de qualquer capital em hora de ponta. Olho em redor e, ao fundo, vejo, finalmente, o Park Gorby e acelero o passo na direcção da entrada. Passamos o portão e procuro ansiosamente qualquer marca que me surja familiar. Em vão... caminhamos sem qualquer intuição, como se visitássemos aquele espaço pela primeira vez. O passar do tempo massacra-me sob uma impaciência que não consigo controlar. Tento perguntar uma e outra vez... "No english!!!" - escuto repetidamente. Insisto uma última vez sob o desespero de andar à deriva em mar alto...
"Art Gallery?"- questiono sob a mais simples construção frásica. Nas diversas tentativas, alguém parece compreender-me e aponta na direcção aposta àquela em que nos encontramos. Será, algures, do outro lado do parque, por detrás do trânsito da vida que, tantas vezes, nos rouba a capacidade de avistar mais além. Curioso como teimamos em percorrer os caminhos já traçados ou, na loucura de um espírito dito livre, paralelos aos já existentes. Tememos o incerto, a quebra das rotinas, o trilho cujo destino se revelerá uma surpresa absoluta... filhos obedientes do célebre ensinamento "Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar". E vivemos enclausurados no destino que preferimos acreditar ser o nosso... no "Podia..." constante que preferimos perante a possibilidade de arriscar este mundo e o outro na busca da liberdade total.
"- Ninguém é realmente livre, Raquel!" - recordo-me de escutar vezes sem conta.
Somos todos livres... uns mais que outros, é certo... mas a liberdade é, tão somente, aquilo que fazemos dela, e bifurca, exclusivamente, nos nossos limites. Não esperes atingir o céu quando a ideia de dois pássaros livres voando te surge como um sinal de perda... A nossa liberdade termina, precisamente, onde terminam os nossos sonhos.
Regresso ao Park Gorby e adiantamos o passo na direcção oposta. Os semáforos verdes tardam, repetidamente... e a caminhada apressada dá lugar a uma corrida árdua. Pela 1ª vez pergunto-me porque raio não fui para a célebre Punta Cana, cujo maior dilema se prenderá com a escolha do melhor Cocktail. Atravessamos o parque e avisto, finalmente, ao fundo, o edíficio... O relógio marca as 19h15. Corremos para a entrada, passamos o controlo de Rx sobre o olhar reprovador do segurança e rumamos ao bengaleiro. A ficha numerada é trocada pelas malas de tantas viagens. Respiro fundo, confesso, emocionada. Abandonamos o Museu. Sinto o vento frio sobre a cara e não contenho as lágrimas. Choro. Envolta na ansiedade, no incerto, nas dúvidas sobre mim mesma e no cansaço das muitas horas mal dormidas. Deixo-me fraquejar, em silêncio, sobre o olhar perplexo do Marco.
Menos que cinco minutos passados... e eis que regresso a mim mesma.
 - Moscovo - sussurro. - Estou em Moscovo! - relembro-me.
E, inevitavelmente, sorrio sobre o reflexo das últimas lágrimas.
Mochilas sobre os ombros... é hora de rumar ao hostel a fim de recuperar as restantes malas aí abandonadas dias antes. 

Para a posteriori... algumas imagens do Metro de Moscovo.










Sem comentários:

Enviar um comentário