Por fim, encontro dois russos na entrada de um edifício e abordo-os na esperança que me revelem, pelo menos, a rua em que se encontra o consulado.
- English? Do you speak english?
- English? Do you speak english?
E o rosto fecha-se de imediato, recusando qualquer tipo de conversação. Tento iniciar todo um jogo de mímica que o meu destinatário ignora ao primeiro gesto.
Seguimos caminho..
Seguimos caminho..
Ao fundo, uma jovem e uma mulher dos seus 45 anos fumam um cigarro numa qualquer pausa durante o trabalho. Relembro a simpatia e os gestos verdadeiramente solidários com que a Rússia nos presenteou e dirijo-me a elas com pensamento positivo.
- Sorry, do you speak english? - pergunto, dirigindo o meu olhar na direcção da jovem dos seus 20 anos. Loira, de olhos rasgados e sorriso fácil, abanou a cabeça num sinal de negação. Não tinha mais de 1,60m, nem de 60kg. A sua beleza era inegável.
- Sorry, do you speak english? - pergunto, dirigindo o meu olhar na direcção da jovem dos seus 20 anos. Loira, de olhos rasgados e sorriso fácil, abanou a cabeça num sinal de negação. Não tinha mais de 1,60m, nem de 60kg. A sua beleza era inegável.
- Mongólia Embassy? - insisto. Novo aceno de cabeça. Mostro-lhe o mapa indicando-lhe a localização possível. Explico-lhe, gestualmente, a existência de uma igreja na mesma rua. Troca uma dúzia de palavras com a senhora ao seu lado que me inunda de perguntas num russo que, uma vez mais, não compreendo de forma alguma. Sorrio, numa mistura de vergonha e impotência.
- Desculpe, mas eu não consigo entênde-la! - respondo-lhe em português sincero e cansado.
Perante a desilusão do meu olhar manda-me esperar. Arranca-me o mapa da mão, onde havia antes escrito a morada do consulado, e entra porta dentro.
Perante a desilusão do meu olhar manda-me esperar. Arranca-me o mapa da mão, onde havia antes escrito a morada do consulado, e entra porta dentro.
A jovem permanece, de sorriso fácil, junto de nós. Peço-lhe desculpa - pelo incómodo, por lhe roubar a pausa de chill out e por não ter memorizado devidamente a rua do consulado.
Sorri, uma vez mais, gesticulando uma espécie de "Não tem problema". Sorrio, em forma de agradecimento.
Sorri, uma vez mais, gesticulando uma espécie de "Não tem problema". Sorrio, em forma de agradecimento.
Cerca de 20min depois, abre-se a porta do edifício e avisto-a por entre um mar de papéis. Dirige-se a mim e reconheço o percurso traçado pelo google maps numa impressão precária, mas suficientemente perceptível, de uma impressora decerto retrógrada. Sorrio, uma vez mais envergonhada pelo transtorno causado.
Agradeço-lhes, verdadeiramente grata... Observo o mapa encriptado por um cirílico imperceptível e rezo para que não me conduza para a Embaixada ao invés do Consulado. Iniciamos o trajecto em passo acelerado. Primeira rua para a direita, segunda rua para a esquerda, nova rua à direita e eis que reconheço ao fundo a torre da igreja. Respiro de alívio, enquanto acelero o passo no desejo infindável de reencontrar o meu passaporte com o raio do visto.
Agradeço-lhes, verdadeiramente grata... Observo o mapa encriptado por um cirílico imperceptível e rezo para que não me conduza para a Embaixada ao invés do Consulado. Iniciamos o trajecto em passo acelerado. Primeira rua para a direita, segunda rua para a esquerda, nova rua à direita e eis que reconheço ao fundo a torre da igreja. Respiro de alívio, enquanto acelero o passo no desejo infindável de reencontrar o meu passaporte com o raio do visto.
Entro no prédio, novos controlos de entrada e dirijo-me ao guichet. Sob o vidro espelhado, vejo surgir os dois passaportes. No seu interior os vistos de 30 dias para a Mongólia... Não consigo deixar de sorrir...
Aproveitamos a proximidade e traçamos caminho pela Rua Arbat. A rua mais antiga de Moscovo inunda-se de pedestres, num entra e sai constante por entre as muitas lojas que a constituem. É impossível não encontrar o que quer que seja por aqui... A tarde esmorece! Percorremos a rua mais central de Moscovo até ao metro... é hora de "parar em todas as estações e apeadeiros". Sim, porque as 188 estações de metro são autênticas galerias de arte a céu escavado. E todas disponíveis pela módica quantia de 30RBL. Paragens obrigatórias, portanto... Na impossibilidade de visitar todas, iniciamos o roteiro que havíamos traçado com base nas supostas vinte estações mais bonitas de Moscovo. Torna-se inevitável a viagem no tempo.
Observo o relógio... 18:00 em ponto... recordo as malas abandonadas num qualquer museu e retomamos a viagem de metro rumo à estação pretendida. Viagem essa que, em hora de ponta, se revela uma tarefa árdua e longa. Não passassem, DIARIAMENTE, pelo metro de Moscovo 7 milhões de pessoas. Sim, milhões...
45 minutos depois, chegamos à estação desejada, envoltos numa nuvem de cansaço e sonolência... 19:30, relembro, o museu encerra às 19h30. Mergulho numa caixa de pessimismo e ocorre-me a hipótese de não chegar a horas. Afasto de imediato a ideia e acelero o passo...
Escadas rolantes, corredores intermináveis, novas escadas rolantes e avisto, finalmente, a superfície... Sinto o peso da impaciência nos meus ombros. As pessoas multiplicam-se numa tentativa incessante de chegar a casa e tropeço, de forma repetida, nos corpos que se me atravessam. Um tic-tac ensurdecedor ecoa sob mim e recrio os cenários possíveis face à possibilidade de não levantar as malas.
Das três uma...
A. Desisto do comboio para Kazã a fim de levantar as malas amanhã de manhã, na reabertura do Museu
B. Desisto das malas e sigo viagem com a restante bagagem
C. Parto o vidro da janela da casa-de-banho e invado o Museu até aos bengaleiros
Perante as possibilidades existentes, não encontro outra opção que não seja a de invadir o Museu de assalto. Sinto, já, o olhar reprovador do Marco mesmo antes de partilhar com ele o meu plano.
Cá fora, noite feita sobre um trânsito intenso típico de qualquer capital em hora de ponta. Olho em redor e, ao fundo, vejo, finalmente, o Park Gorby e acelero o passo na direcção da entrada. Passamos o portão e procuro ansiosamente qualquer marca que me surja familiar. Em vão... caminhamos sem qualquer intuição, como se visitássemos aquele espaço pela primeira vez. O passar do tempo massacra-me sob uma impaciência que não consigo controlar. Tento perguntar uma e outra vez... "No english!!!" - escuto repetidamente. Insisto uma última vez sob o desespero de andar à deriva em mar alto...
"Art Gallery?"- questiono sob a mais simples construção frásica. Nas diversas tentativas, alguém parece compreender-me e aponta na direcção aposta àquela em que nos encontramos. Será, algures, do outro lado do parque, por detrás do trânsito da vida que, tantas vezes, nos rouba a capacidade de avistar mais além. Curioso como teimamos em percorrer os caminhos já traçados ou, na loucura de um espírito dito livre, paralelos aos já existentes. Tememos o incerto, a quebra das rotinas, o trilho cujo destino se revelerá uma surpresa absoluta... filhos obedientes do célebre ensinamento "Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar". E vivemos enclausurados no destino que preferimos acreditar ser o nosso... no "Podia..." constante que preferimos perante a possibilidade de arriscar este mundo e o outro na busca da liberdade total.
"- Ninguém é realmente livre, Raquel!" - recordo-me de escutar vezes sem conta.
Somos todos livres... uns mais que outros, é certo... mas a liberdade é, tão somente, aquilo que fazemos dela, e bifurca, exclusivamente, nos nossos limites. Não esperes atingir o céu quando a ideia de dois pássaros livres voando te surge como um sinal de perda... A nossa liberdade termina, precisamente, onde terminam os nossos sonhos.
Regresso ao Park Gorby e adiantamos o passo na direcção oposta. Os semáforos verdes tardam, repetidamente... e a caminhada apressada dá lugar a uma corrida árdua. Pela 1ª vez pergunto-me porque raio não fui para a célebre Punta Cana, cujo maior dilema se prenderá com a escolha do melhor Cocktail. Atravessamos o parque e avisto, finalmente, ao fundo, o edíficio... O relógio marca as 19h15. Corremos para a entrada, passamos o controlo de Rx sobre o olhar reprovador do segurança e rumamos ao bengaleiro. A ficha numerada é trocada pelas malas de tantas viagens. Respiro fundo, confesso, emocionada. Abandonamos o Museu. Sinto o vento frio sobre a cara e não contenho as lágrimas. Choro. Envolta na ansiedade, no incerto, nas dúvidas sobre mim mesma e no cansaço das muitas horas mal dormidas. Deixo-me fraquejar, em silêncio, sobre o olhar perplexo do Marco.
Menos que cinco minutos passados... e eis que regresso a mim mesma.
- Moscovo - sussurro. - Estou em Moscovo! - relembro-me.
E, inevitavelmente, sorrio sobre o reflexo das últimas lágrimas.
Mochilas sobre os ombros... é hora de rumar ao hostel a fim de recuperar as restantes malas aí abandonadas dias antes.
Para a posteriori... algumas imagens do Metro de Moscovo.
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