Lembro-me das viagens infindáveis com a minha avó Alice e os meus primos rumo à Beira Alta. Partíamos de Santa Apolónia carregados de malas. Perdia-me na descoberta pelas locomotivas, nas despedidas de quem vai com quem fica, nos vilarejos sucessivos que me entravam pela janela. Perdia-me no imaginário criado em redor daqueles viajantes: quem seriam!? para onde viajariam? e, sobretudo, o que tanto pensariam? Criava-lhes profissões, destinos, histórias de vida... verdadeiros enredos de sonhos e contratempos.
Pausa para o lanche, pausa para o almoço e daquela modesta marmita da avó Alice saiam os manjares mais suculentos.
- Raquel! Ricardo! - gritava a avó Alice quando no esplendor da nossa imaginação tentávamos conhecer as carruagens vizinhas. - Venham para aqui. Não vos quero aí - ordenava numa vigia constante.
E pudesse o tempo parar um instante...
Regresso à viagem Moscovo - St. Petersburgo. Sorrio... as semelhanças são bem mais que as disparidades. E repetem-se os jogos de imaginação sobre os meus companheiros de compartimento. Todos russos - à excepção do Marco, claro está. Pela janela repete-se, também, o desfilar de casas, florestas e estações de outros tempos. Assombrada pelo mesmo entusiasmo de outrora, vejo, tão somente, aquela deliciosa merenda, ser substituída por umas massas instantâneas que me castigam de forma audaz.
- Que a avó Alice nem sonhe que troquei a sua merenda suculenta por este insucesso da era moderna! - penso!
650km separam as duas cidades. Pelo rasgar da noite, a viagem sucede-se por entre os curtos períodos de sono que o assento nos permite cumprir.
As conversas astropelam-se num russo rápido que, ainda que lento, me seria impossível compreender. Da lista dos não convocados, surgem os nossos nomes, juntamente com o do jovem à minha direita. Surdo-mudo, a incapacidade remete-o, juntamente connosco, para a lista dos menos aptos.
Mas descreve-o Darwin da forma mais científica e comprovada possível: A inadaptação de um ser vivo em determinado ambiente concede-lhe a adaptação major num outro habitat. E a conversa fluiu entre os três, num silêncio profundo onde ecoam os gestos incessantes e as gargalhadas inerentes à sua compreensão.
06h45 Chegamos a St. Petersburgo...
De comboio poucas viagens fiz... mas de autocarro já tenho a minha cota parte! E são curiosas os conhecimentos que se cruzam naquelas paragens temporárias para negativar o balanço e fumar um cigarro... No meio de um burburinho de palavras estranhas e frias surge um"Olá" de alguém que aprendeu português mas é Eslovaco! Foi dos momentos que mais apreciei durante a viagem...
ResponderEliminar:))) Para mim, claro está, a verdadeira viagem acontece entre nós e os outros. Eu parto à descoberta do mundo e dos outros...nos intervalos conheço um pouco mais deste planeta tão pequenino mas tão diversificado.
EliminarQue bom que te tenho por aqui, Catarina...
Não consigo não deixar de espreitar a vossa viagem e viver um pouco dela também... embora queira um relato em pessoa quando regressarem! Continuação de uma boa viagem :)
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