quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Rumo a Cazã...


Cerca de 14h separam Moscovo de Cazã, numa distância de 820 km. Mais uma noite passada sobre carris... E mais uma vez em classe obshchiy, ou seja, sentadoooooooos.
Desta vez, o cansaço abona a nosso favor e a dormida será, portanto, ponto acente.
Ligo o iPod e capto a travessia nocturna pelos vilarejos ao som de Sigur Rós. Recordo as horas de investigação na preparação possível para esta viagem. Recordo, ainda, as muitas viagens que trilhámos pela noite dentro, em que a pequenez daquela sala de tratamento se estendia ao tamanho do mundo. Valham-nos esses trilhos infindáveis que nos levam onde a imaginação nos permite chegar. E a loucura do ir, quando o mundo teima em nos convencer a ficar...
"Thanks... A lot..."





quarta-feira, 30 de outubro de 2013

De regresso a Moscovo [parte II]...


Por fim, encontro dois russos na entrada de um edifício e abordo-os na esperança que me revelem, pelo menos, a rua em que se encontra o consulado.
- English? Do you speak english?
E o rosto fecha-se de imediato, recusando qualquer tipo de conversação. Tento iniciar todo um jogo de mímica que o meu destinatário ignora ao primeiro gesto.
Seguimos caminho..
Ao fundo, uma jovem e uma mulher dos seus 45 anos fumam um cigarro numa qualquer pausa durante o trabalho. Relembro a simpatia e os gestos verdadeiramente solidários com que a Rússia nos presenteou e dirijo-me a elas com pensamento positivo.
- Sorry, do you speak english? - pergunto, dirigindo o meu olhar na direcção da jovem dos seus 20 anos. Loira, de olhos rasgados e sorriso fácil, abanou a cabeça num sinal de negação. Não tinha mais de 1,60m, nem de 60kg. A sua beleza era inegável.
- Mongólia Embassy? - insisto. Novo aceno de cabeça. Mostro-lhe o mapa indicando-lhe a localização possível. Explico-lhe, gestualmente, a existência de uma igreja na mesma rua. Troca uma dúzia de palavras com a senhora ao seu lado que me inunda de perguntas num russo que, uma vez mais, não compreendo de forma alguma. Sorrio, numa mistura de vergonha e impotência.
- Desculpe, mas eu não consigo entênde-la! - respondo-lhe em português sincero e cansado.
Perante a desilusão do meu olhar manda-me esperar. Arranca-me o mapa da mão, onde havia antes escrito a morada do consulado, e entra porta dentro.
A jovem permanece, de sorriso fácil, junto de nós. Peço-lhe desculpa - pelo incómodo, por lhe roubar a pausa de chill out e por não ter memorizado devidamente a rua do consulado.
Sorri, uma vez mais, gesticulando uma espécie de "Não tem problema". Sorrio, em forma de agradecimento.
Cerca de 20min depois, abre-se a porta do edifício e avisto-a por entre um mar de papéis. Dirige-se a mim e reconheço o percurso traçado pelo google maps numa impressão precária, mas suficientemente perceptível, de uma impressora decerto retrógrada. Sorrio, uma vez mais envergonhada pelo transtorno causado.
Agradeço-lhes, verdadeiramente grata... Observo o mapa encriptado por um cirílico imperceptível e rezo para que não me conduza para a Embaixada ao invés do Consulado. Iniciamos o trajecto em passo acelerado. Primeira rua para a direita, segunda rua para a esquerda, nova rua à direita e eis que reconheço ao fundo a torre da igreja. Respiro de alívio, enquanto acelero o passo no desejo infindável de reencontrar o meu passaporte com o raio do visto.
Entro no prédio, novos controlos de entrada e dirijo-me ao guichet. Sob o vidro espelhado, vejo surgir os dois passaportes. No seu interior os vistos de 30 dias para a Mongólia... Não consigo deixar de sorrir...
Aproveitamos a proximidade e traçamos caminho pela Rua Arbat. A rua mais antiga de Moscovo inunda-se de pedestres, num entra e sai constante por entre as muitas lojas que a constituem. É impossível não encontrar o que quer que seja por aqui... A tarde esmorece! Percorremos a rua mais central de Moscovo até ao metro... é hora de "parar em todas as estações e apeadeiros". Sim, porque as 188 estações de metro são autênticas galerias de arte a céu escavado. E todas disponíveis pela módica quantia de 30RBL. Paragens obrigatórias, portanto... Na impossibilidade de visitar todas, iniciamos o roteiro que havíamos traçado com base nas supostas vinte estações mais bonitas de Moscovo. Torna-se inevitável a viagem no tempo.
Observo o relógio... 18:00 em ponto... recordo as malas abandonadas num qualquer museu e retomamos a viagem de metro rumo à estação pretendida. Viagem essa que, em hora de ponta, se revela uma tarefa árdua e longa. Não passassem, DIARIAMENTE, pelo metro de Moscovo 7 milhões de pessoas. Sim, milhões...
45 minutos depois, chegamos à estação desejada, envoltos numa nuvem de cansaço e sonolência... 19:30, relembro, o museu encerra às 19h30. Mergulho numa caixa de pessimismo e ocorre-me a hipótese de não chegar a horas. Afasto de imediato a ideia e acelero o passo...
Escadas rolantes, corredores intermináveis, novas escadas rolantes e avisto, finalmente, a superfície... Sinto o peso da impaciência nos meus ombros. As pessoas multiplicam-se numa tentativa incessante de chegar a casa e tropeço, de forma repetida, nos corpos que se me atravessam. Um tic-tac ensurdecedor ecoa sob mim e recrio os cenários possíveis face à possibilidade de não levantar as malas.
Das três uma...
A. Desisto do comboio para Kazã a fim de levantar as malas amanhã de manhã, na reabertura do Museu
B. Desisto das malas e sigo viagem com a restante bagagem
C. Parto o vidro da janela da casa-de-banho e invado o Museu até aos bengaleiros
Perante as possibilidades existentes, não encontro outra opção que não seja a de invadir o Museu de assalto. Sinto, já, o olhar reprovador do Marco mesmo antes de partilhar com ele o meu plano.
Cá fora, noite feita sobre um trânsito intenso típico de qualquer capital em hora de ponta. Olho em redor e, ao fundo, vejo, finalmente, o Park Gorby e acelero o passo na direcção da entrada. Passamos o portão e procuro ansiosamente qualquer marca que me surja familiar. Em vão... caminhamos sem qualquer intuição, como se visitássemos aquele espaço pela primeira vez. O passar do tempo massacra-me sob uma impaciência que não consigo controlar. Tento perguntar uma e outra vez... "No english!!!" - escuto repetidamente. Insisto uma última vez sob o desespero de andar à deriva em mar alto...
"Art Gallery?"- questiono sob a mais simples construção frásica. Nas diversas tentativas, alguém parece compreender-me e aponta na direcção aposta àquela em que nos encontramos. Será, algures, do outro lado do parque, por detrás do trânsito da vida que, tantas vezes, nos rouba a capacidade de avistar mais além. Curioso como teimamos em percorrer os caminhos já traçados ou, na loucura de um espírito dito livre, paralelos aos já existentes. Tememos o incerto, a quebra das rotinas, o trilho cujo destino se revelerá uma surpresa absoluta... filhos obedientes do célebre ensinamento "Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar". E vivemos enclausurados no destino que preferimos acreditar ser o nosso... no "Podia..." constante que preferimos perante a possibilidade de arriscar este mundo e o outro na busca da liberdade total.
"- Ninguém é realmente livre, Raquel!" - recordo-me de escutar vezes sem conta.
Somos todos livres... uns mais que outros, é certo... mas a liberdade é, tão somente, aquilo que fazemos dela, e bifurca, exclusivamente, nos nossos limites. Não esperes atingir o céu quando a ideia de dois pássaros livres voando te surge como um sinal de perda... A nossa liberdade termina, precisamente, onde terminam os nossos sonhos.
Regresso ao Park Gorby e adiantamos o passo na direcção oposta. Os semáforos verdes tardam, repetidamente... e a caminhada apressada dá lugar a uma corrida árdua. Pela 1ª vez pergunto-me porque raio não fui para a célebre Punta Cana, cujo maior dilema se prenderá com a escolha do melhor Cocktail. Atravessamos o parque e avisto, finalmente, ao fundo, o edíficio... O relógio marca as 19h15. Corremos para a entrada, passamos o controlo de Rx sobre o olhar reprovador do segurança e rumamos ao bengaleiro. A ficha numerada é trocada pelas malas de tantas viagens. Respiro fundo, confesso, emocionada. Abandonamos o Museu. Sinto o vento frio sobre a cara e não contenho as lágrimas. Choro. Envolta na ansiedade, no incerto, nas dúvidas sobre mim mesma e no cansaço das muitas horas mal dormidas. Deixo-me fraquejar, em silêncio, sobre o olhar perplexo do Marco.
Menos que cinco minutos passados... e eis que regresso a mim mesma.
 - Moscovo - sussurro. - Estou em Moscovo! - relembro-me.
E, inevitavelmente, sorrio sobre o reflexo das últimas lágrimas.
Mochilas sobre os ombros... é hora de rumar ao hostel a fim de recuperar as restantes malas aí abandonadas dias antes. 

Para a posteriori... algumas imagens do Metro de Moscovo.










De regresso a Moscovo


Cerca de 7h30 depois, ei-nos de regresso a Moscovo. Tal como previsto [e não tivéssemos nós já comprovado a pontualidade russa...], chegámos à hora estimada: 5h40.
Noite cerrada e sob temperaturas pouco convidativas a uma ronda  prévia pela cidade, procurámos um lounge room a fim de 'pernoitar' por mais umas duas horas. O tráfego humano a que se assiste não deixa adivinhar que o dia mal começou. 
Encontrámos o spot idealizado, confesso que com o avançar da hora não estávamos propriamente exigentes, e instalámo-nos como pudemos. O cansaço concedeu-lhe o ingrediente essencial... e, como diria o meu sogro Chico, dormimos como o cão, com um olho fechado e outro sempre aberto. 
Escuto um qualquer sermão russo, abro o olho que havia fechado e avisto um qualquer segurança que, na impossibilidade de dormir [nem mesmo na versão de dormida do cão], resolvera acordar todos os que entre o chegar e o partir procuravam descansar. Sendo que, falamos da grande maioria dos presentes.
Não tendo como o insultar em russo, face aos meus escassos conhecimentos na língua, confesso que com o meu melhor sorriso lhe pronunciei em bom português tudo aquilo que o meu pai Zé não se orgulharia decerto de escutar. Não me devolveu o sono de cão mas confesso que me levou o mau humor levantado pelo mau acordar.
Permanecemos por ali mais um pouco e resolvemos seguir viagem. Prioridade imediata: deixar as duas malas que havíamos levado para St. Petersburgo num qualquer cacifo, já que à noite seria hora de partir rumo a Cazã. Subimos escadas, descemos escadas, entramos na sala da direita, da esquerda, do meio, do fundo e mais houvesse e lá encontramos o raio dos cacifos. Por gestos, lá perguntamos o preço e a resposta lá surge, para não variar, num russo de tal forma perfeito que somos incapazes de o decifrar. Rimo-nos... o que parece resultar, já que por detrás do rosto pouco simpático lá surge uma máquina calculadora com os rublos a pagar. Conversão mental e perante o resultado obtido, resolvemos seguir de malas e afins. Bem diz a mãe Rosário que quando me bate a mão de vaca, bate-me bem. Seguimos viagem, de mala às costas.
Primeiro destino: Embaixada da Mongólia. Na inexistência de consulado/embaixada em Portugal restavam-nos duas possibilidades: ou enviar os Passaportes para Londres, sendo que precisaríamos de cerca de duas semanas para todo o processo, que não tínhamos; ou fazer aqui em Moscovo, uma vez cá. Inconvenientes: não sabíamos ao certo quanto tempo levaria o visto, o que nos poderia reter em Moscovo. Perante a falta de alternativas, restava-nos acreditar...
De regresso a Moscovo, a cidade calma que havíamos conhecido no passado sábado dera lugar a uma metrópole em constante  ebulição.
Chegámos à Embaixada com a ajuda do google maps [abençoadas tecnologias] e somos recebidos por um simpático mongoliano que nos explica que a embaixada está fechada e que para qualquer assunto teríamos que regressar no dia seguinte. PÂNICO. 
- Para efeitos de vistos - completa - podem deslocar-se ao consulado.
- Hoje? - pergunto esperançada.
- Sim, sim! - responde-nos enquanto escreve o endereço num papel.
Respiramos de alívio e seguimos caminho, de mochila às costas, claro está.
Nova procura e entre sucessos e insucessos lá encontramos o Consulado por entre ruelas aprumadas e repletas de veículos de luxo pagos pelos mesmos de sempre. Haja dinheiro...
Registos de entrada. First floor - indica-nos o segurança, e lá seguimos nós num misto de ansiedade e esperança.
- Hello! We need a Turist Visa EXPRESS to Mongólia, please! - solicita o Marco. E num inglês imperfeito e de difícil pronúncia, lá vamos recebendo as ordens sobre os documentos exigidos e os impressos a preencher. Novo inquérito interminável sobre as nossas pessoas e eis que me encho de coragem para a pergunta cuja respostas tanto receamos.
- When it's ready? - faço figas.
- 3 o'clock.
- Today?
- Yes!
E eis que sou invadida por uma euforia imensa que me irradia todo o dia. Ou assim pensava eu.
O resto da manhã foi reservada para visitarmos alguns pontos em falta: Art Gallery, Gorky Park, Red October, ...
Começamos pelo Art Gallery já que poderíamos aproveitar para deixar as malas no bengaleiro e regressar mais tarde, ao final do dia, para as levantar. Ideias à bom português, não fossemos nós peritos em contornar o sistema.
Seguimos viagem, procuramos pontos esquecidos ou adiados no sábado anterior e, ao aproximar da hora exigida, rumamos ao consulado. Nova sucessão de ruas e numa simetria perfeita repetimos erros e de se encontramos o destino. Novas tentativas e novos insucessos. Com eles, o aproximar da hora... 
Perguntamos indicações cujas respostas nos chegam sob a incompreensão do pretendido. Não há trivial pursuit que nos salve desta vez. 
Revejo o mapa na tentativa de identificar ruas perpendiculares... Já que alguém concedera à rua insignificância tal que a mesma surgia naquele pobre mapa sob nome incógnito, filha de ninguéns!
O relógio marca as 15h e repito para mim mesma a hora de fecho do consulado: 16h30.


(...be continued...)




terça-feira, 29 de outubro de 2013

As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade...

Despeço-me sempre dos locais e das pessoas com a melancolia própria de quem sabe que o reencontro será pouco provável. Confesso que, por muito que reconheça a veracidade desta situação, sou incapaz de lidar com as despedidas com a naturalidade inerente. Ao invés, vejo-me sempre repartir entre a emoção do que advirá do amanhã e uma saudade imensa do que adveio do ontem. Saudade essa que permanece em mim para além do tempo ou do espaço... e cujas personagens e cenários me invadem semanas, meses e anos depois, nesta coisa fantástica a que chamamos de memória.
Levem-me toda e qualquer parte de mim... deixem-me as memórias... Existirei, por mim mesma. Viajarei... sem início, meio ou fim...



                           


domingo, 27 de outubro de 2013

El padrini de Peter...


Chegámos ao hostel já tarde avançada... Perderamos algum tempo no supermercado a fim de comprar natas para o jantar. No final de contas, e após tentarmos comprovar o sucesso da compra junto da rapariga da recepção, percebemos que havíamos comprado leite para o café. Mais um sucesso do 'Food translate'... 
Recolhemos as malas que havíamos deixado na recepção de manhã e levamo-las para os quartos. Quartos? Sim, quartos... Acabamos de perceber que os quartos múltiplos são divididos por género. Não vá o pessoal entusiasmar-se e afins. 
No meu quarto 6 camas, sendo que 5 das quais desocupadas. No quarto do Marco 4 camas, duas ocupadas por dois russos e uma terceira com um jovem chinês, de Hong Kong, que resolvera visitar Moscovo e St. Petersburgo.
Pousadas as malas, instalámo-nos na cozinha/sala comum a fim de preparar o jantar. No computador, um dos companheiros de quarto do Marco que de imediato assemelho a uma qualquer personagem de um qualquer filme de espionagem russo. Os seus olhos brilhavam a poucos centímetros do PC. Gargalhadas sucediam-se sob a visualização consecutivas de sketch's de um qualquer "Gato Fedorento" russo. 
Do rádio ecoava uma qualquer música romântica russa. Retiro os ingredientes do saco, procuro o fogão em todas as direcções e, não encontrando-o, mostro o pacote de massa ao rapaz [leia-se rapaz com os seus 35 anos] na esperança que me o indique. Inicia-se, assim, toda uma explicação em russo. 
- Sorry, I don't speak russian! - interrompo-o. 
E inicia-se, assim, toda uma nova explicação, desta vez mais pausada e mais audível, já que o volume fora aumentado, mas, ainda assim, em russo.
Conclusão: toca a puxar pela imaginação, já que também não há fogão. Pergunta do dia: como transformar um pacote de massa, um pacote de leite para o café, cogumelos e milho numa espécie de massa à carbonara?
E decido cozer a massa no microondas. O resultado final foi, provavelmente, o pior prato que já cozinhei na minha vida. Por favor, NÃO TENTEM ISTO EM CASA. 
- Where are you from? - pergunto ao rapaz, arriscando toda uma nova explicação em russo.
- Russian - responde-me.
- Moscow?
- Moscow and St. Petersburgo - responde-me, explicando-me, por entre gestos, que trabalha entre uma e outra.
- Daví - revela-me o seu nome enquanto me estende a mão. 
- Raquel - correspondo. 
E traçamos amizade pelos próximos 3 dias, repetindo rotinas. A banda sonora do 1° dia é substituída pelos Hits 1998 e recordo Enrique Iglesias e outras relíquias similares. Cantarolamos juntos [não, Luís Pereira, o russo não teceu qualquer comentário negativo face aos meus escassos dotes musicais] e apresento o jovem de trabalho duvidoso à minha mãe, via Skype. Trocamos mantimentos e prometo não identificá-lo quando a polícia entrar de rompante à sua procura.

Para a posterioridade, a prova viva de que confraternizei com um membro da máfia russa...


Acontecimento de estado

À chegada à Praça Imperial, a antevisão de que algo grandioso estaria para acontecer. 
Um palco imenso invadia a praça repleta de luzes. Sobre o mesmo, uma chuva mágica de piruetas e acrobacias no gelo vindas dos quatro pontos cardeais. O ensaio geral antecipava o acontecimento dessa noite... fazendo sonhar pequenos e graúdos.
Uma corrente conjunta de todo o tipo de forças militares [entenda-se centenas de elementos políciais, exército, forças especiais, kung fus e afins] estendia-se num cordão policial de vários quilómetros que rodeava o evento e delimitava toda a rua principal. As ruas haviam sido cortadas momentaneamente ao trânsito e pessoas acumulavam-se na esperança de assistir à sua passagem e, de telemóveis em punho, poder, até, registar o momento.
Perante toda a polpa e circunstância foi inevitável não imaginar o que estaria para acontecer. 
'Poucos acontecimentos mobilizam tantas forças policiais' - pensei - 'Só uma pessoa exige tamanha importância numa nação' - presumi. E, no mesmo instante, escuto as sirenes dos carros patrulha romperem a rua e levaram as pessoas ao histerismo. A corrente policial alinhou-se numa recta praticamente perfeita de forma a impedir a passagem dos curiosos.
Ao fundo antevi de imediato a entrada do carro presidencial. Confesso que eu própria me senti entusiasmar perante a hipótese de fotografar Vladimir Punti.
Ao invés, pouco depois dos carros policiais, vejo surgir o camião da Coca-Cola [patrocinador oficial] seguido dos atletas olímpicos da selecção russa. Na frente de combate, uma qualquer atleta russa envergava a chama olímpica.

Não valesse Peter por si mesma... fomos, ainda, convidados a assistir à chegada da chama olímpica à cidade. A festa perdurou...




Peter!


Chegámos a St. Petersburgo de madrugada, sob uma chuva miudinha. A estação de comboios ficava a 2,8km do hostel pelo que resolvemos ir a pé. E enquanto caminhávamos, assistíamos ao lento acordar da cidade. Não importa o país, o continente, a religião ou o costume local... ao Domingo, o dia tarda sempre a nascer. 
Encontrámos, facilmente, o hostel. À entrada, os sobreviventes de um típico sábado à noite resistiam ao cansaço que, notoriamente, recaía sobre eles. Realizámos o check in, pousámos as malas e partimos à descoberta da cidade que nos acolheria nos próximos 3 dias.
Saint Petersburgo é um dos maiores centros culturais da europa, com mais de um milhão de habitantes. O centro da cidade, tal como parte dos seus monumentos, são considerados património mundial pela UNESCO.
Resumir Peter (como carinhosamente é chamada por aqui) é, de todo, impossível. A sua beleza trespassa os edifícios, os monumentos ou a tranquilidade do seu rio Neva. Reside no seu glamour, na sua melancolia ou na arte constante que bate na nossa janela. 

Entre o Museu Nacional de Hermitage [um dos maiores do mundo, possuindo mais de 3 milhões de obras de arte], a Catedral do Sangue Derramado, o Forte de Pedro e Paulo, a Praça Imperial ou a Ponte do Palácio... Peter seduz até quem não quer ser seduzido...


Trotsky most - Peter & Paul Fortress
Peter & Paul Fortress
Mercado local
Catedral de Kazansky Sobor
Jardins de Mikhailovsky
Hermitage
Igreja do Salvador do Sangue Derramado
Teatro Alexandrinsky

Viagens cruzadas

Há muito que os comboios me fascinam...
Lembro-me das viagens infindáveis com a minha avó Alice e os meus primos rumo à Beira Alta. Partíamos de Santa Apolónia carregados de malas. Perdia-me na descoberta pelas locomotivas, nas despedidas de quem vai com quem fica, nos vilarejos sucessivos que me entravam pela janela. Perdia-me no imaginário criado em redor daqueles viajantes: quem seriam!? para onde viajariam? e, sobretudo, o que tanto pensariam? Criava-lhes profissões, destinos, histórias de vida... verdadeiros enredos de sonhos e contratempos.
Pausa para o lanche, pausa para o almoço e daquela modesta marmita da avó Alice saiam os manjares mais suculentos.
- Raquel! Ricardo! - gritava a avó Alice quando no esplendor da nossa imaginação tentávamos conhecer as carruagens vizinhas. - Venham para aqui. Não vos quero aí - ordenava numa vigia constante.
E pudesse o tempo parar um instante...
Regresso à viagem Moscovo - St. Petersburgo. Sorrio... as semelhanças são bem mais que as disparidades. E repetem-se os jogos de imaginação sobre os meus companheiros de compartimento. Todos russos - à excepção do Marco, claro está. Pela janela repete-se, também, o desfilar de casas, florestas e estações de outros tempos. Assombrada pelo mesmo entusiasmo de outrora, vejo, tão somente, aquela deliciosa merenda, ser substituída por umas massas instantâneas que me castigam de forma audaz. 
- Que a avó Alice nem sonhe que troquei a sua merenda suculenta por este insucesso da era moderna! - penso!
650km separam as duas cidades. Pelo rasgar da noite, a viagem sucede-se por entre os curtos períodos de sono que o assento nos permite cumprir. 
As conversas astropelam-se num russo rápido que, ainda que lento, me seria impossível compreender. Da lista dos não convocados, surgem os nossos nomes, juntamente com o do jovem à minha direita. Surdo-mudo, a incapacidade remete-o, juntamente connosco, para a lista dos menos aptos.
Mas descreve-o Darwin da forma mais científica e comprovada possível: A inadaptação de um ser vivo em determinado ambiente concede-lhe a adaptação major num outro habitat. E a conversa fluiu entre os três, num silêncio profundo onde ecoam os gestos incessantes e as gargalhadas inerentes à sua compreensão.

06h45 Chegamos a St. Petersburgo...




sábado, 26 de outubro de 2013

Tristezas não pagam dívidas

Observamos a plataforma, repetidamente, como se petrificados... O jovem segurança tenta consolar-nos sobre uma qualquer reza russa que, irremediavelmente, nem escuto. 
Revejo todo o meu dia na esperança de compreender onde perdi estes 2min. E, afinal, a vida é isso mesmo: feita de timings que se descruzam por segundos, minutos, horas ou dias suficientes para que não se conte uma história... nascem assim os desencontros, os desamores e as despedidas. Nascem, assim, os nossos fados.
Abandonámos a plataforma vazia sem que nos fosse, ainda, possível, traçar novos planos.
Atravessamos, uma vez mais, a sala de espera e vejo a desilusão surgir por entre os nossos ferverosos adeptos. O segurança responsável pelo RaioX levanta-se, surpreendido, também, pela nossa presença. Por entre gestos, pergunta-nos se o comboio já havia partido. Aceno-lhe, desiludida, que sim... 
"E agora?" - consigo escutá-lo no bracejar constante. E agora...? Agora é tempo de traçar planos secundários. E quantas vezes não se sobrepõem estes às cenas principais...?!
- Vamos à bilheteira, Marco! - digo, decidida. - Digo-lhe que perdemos o comboio, quem sabe se não nos devolve o dinheiro ou assim? Já dizia a minha avó Alice que burro cansado e pessimista não puxa carroça.
Entramos na bilheteira de longo curso e guichet após guichet busco um rosto supostamente simpático e bilingue. Missão de todo impossível.
Faço figas e escolho um de forma meramente aleatória.
- Do you speak english? - arrisco.
- Nyet - escuto-a apressadamente, vendo-a desistir à priori de qualquer conversação.
- And your partners? - insisto.
- Nyet, nyet - expulsa-me de imediato.
- Wait - insisto, já cansada, confesso! - I need help! - E mostro-lhe os bilhetes intactos, orfãos de um comboio sem tempo para esperar. Comboio esse reflexo de uma sociedade que, tantas vezes, não espera, também, dois meros minutos...
Vejo-a obedecer-me incomodada com a minha necessidade. Lê o meu bilhete e inicia todo um processo informático que, irremediavelmente, não entendo.
- Card! - ordena sob a simpatia russa que todos conhecemos, enquanto me apresenta um novo bilhete.
- O teu cartão - ordena-me o Marco perante a minha inércia.
- O meu cartão? Mas como o meu cartão? - respondo em bom português, dialecto irritado - Não decidi preços, horários, não decidi nada.
Respiro fundo.
- Wait - repito, em modo cansaço ao quadrado. E inicío toda uma explicação sob um jogo de mímica apreendido nas muitas horas investidas no Trivial Pursuit. [Desta vez, com sons à mistura... sem que o mau perder dos rapazes nos anulassem jogada sobre jogada. Bons tempos!] Recrio assim todo o episódio do comboio a partir, de nós a ficarmos e da tristeza estampada naqueles pobres bilhetes.
Ela acena afirmativamente em sinal de compreensão. E inicia toda uma uma explicação... Em russo! 
- I don't understand - digo-lhe, enquanto lhe agarro a mão, numa tentativa desesperada de a chamar à razão. E eis que sobre o discurso russo vejo surgir no canto inferior a linguagem gestual... Repetem-se os gestos e entendo, finalmente, que os recentes bilhetes não são mais mais que um recibo de devolução, que o cartão visa a recepção de 1/3 do valor perdido nos bilhetes abandonados e que temos um novo comboio dentro de 30min, numa carruagem idêntica à anterior, pelo mesmo preço. Contas feitas... 50€ de prejuízo total. Parece-me justo... Sorrio, finalmente. Por entender o russo, finalmente, ainda que sob a sua vertente mímica. E por encontrar um destino pouco depois de perder o meu...
Devolução do numerário, novo pagamento e nova emissão de bilhetes.
Vejo-a escrever num papel perdido o número da plataforma e repetir as horas de partida.
- Vão, vão rápido - escuto-a nos gestos repetidos.
Pego-lhe, uma vez mais, na mão, cruzo-lhe o olhar e na mais profunda sinceridade despeço me com um sentido Spasiba [Obrigada!].
Cá fora, levanto os novos bilhetes de forma a revelá-los aos nossos adeptos... os sorrisos sucedem-se. Vejo a esperança renascer no olhar de todos. Prometo não desiludi-los.


22h50
Parte o comboio, desta vez, connosco...

Ao ritmo de Obikwelu


Finalizado o 1° dia de visita a Moscovo, regressámos ao hostel a fim de carregar malas e rumarmos a Saint Petersburgo às 22h10. [Regressaremos mais tarde a Moscovo a fim de terminar a visita.]

No caminho, parámos numa mercearia a fim de comprarmos qualquer coisa para o jantar e acabámos por nos perder no tempo com o rapaz que nos atendeu. É incontornável... perante a resposta "Portugal", a associação com Cristiano Ronaldo é imediata e as pessoas sorriem-nos com apreço, num jogo incessante de palavras em redor desse desporto tão universal que é o futebol. "Figo", "Nuno Gomes", "Rui Costa", "Benfica", "Porto"... E inicia-se, assim, uma relação inter-cultural. Engraçada a facilidade com que nos ligamos a algo ou alguém que nos transporta para um campo conhecido ou favorável. 
De sorriso constante, revelou-nos que havia sido jogador de futebol profissional mas, devido a uma lesão no joelho, ficara afastado dos campos.
Observei as horas e vi a janela do tempo fechar-se consideravelmente. Precisávamos de ir... Despedimo-nos, com a promessa de voltar daí a uns dias, e rumámos ao hotel com o intuito de organizarmos as malas.
Viajar com quatro malas é, de facto, intransigente! Confesso que venho, com o tempo e com as viagens, apurando o meu sentido mais prático. No entanto, e perante as temperaturas praticadas que oscilam entre os 15° e os -20°C, confesso que não me foi fácil aplicar os conhecimentos desenvolvidos. Assim sendo, entre roupa, fatos da neve, sacos cama, necessaire e comida... Temos quatro malas. Prioridade imediata: pedir para deixar duas delas no hostel até ao nosso regresso e levar para St. Petersburgo o indispensável.
Pedido feito, pedido aceite :-)
Organizámos as malas, deixando as restantes no hostel e partimos em contra relógio a caminho da estação. Cerca de 30min era o que nos restava para chegar à estação, ou melhor, ao nosso comboio. Nem mais um minuto - pensei - que os relógios daqui devem ter pouco dos de Portugal...
Fomos em passo acelerado os cerca de 15min que nos separavam da estaçao de metro e descemos, já, as escadas em modo corrida. À chegada à plataforma avistamos as portas do metro encerrarem-se e percebo que teremos de esperar pelo próximo. 
O relógio marca as 21h54. Respira, Ana Raquel - tranquilizo-me - tens outro metro em menos de 3min. E pouco mais de 2min depois, avisto as luzes de uma nova toupeira. Respiro de alivio. Encontrávamo-nos agora à distância de duas estações. 5min depois, eis o destino. Rompemos as portas por entre a multidão e corremos com toda a velocidade em direcção à saída.
Cruzo as portas , olho para a esquerda e avisto as locomotivas suburbanas. Não, direita - penso - e contorno todo o edifício do metro. Do outro lado da rua, avisto a estação... corro na direcção do túnel e atravesso-lo com as poucas forças que me restam. 
Finalmente nas plataformas, busco no ecran gigante o número do nosso comboio, mas sem êxito. Perante a falta de tempo que nos resta, decido perguntar em redor pelo comboio para St. Petersburgo. Entre encolheres de ombros, o mais próximo que tive de uma conversação foi um "I don't speak english!" 
Olho em redor e percebo que estamos na estação errada. Grito para o Marco que tentava encontrar a plataforma correcta e corremos, uma vez mais, na direcção do túnel  com vista ao lado oposto onde se encontra a estação pretendida. Isto, porque, entre as três grandes estações existentes em Moscovo, encontram-se aqui, lado a lado, duas delas. Sendo que, uma das quais, se subdivide, ainda, em duas grandes sub-estações: uma suburbana e outra de longo percurso. Confusão na certa, portanto.
Atravessamos o túnel e sinto o corpo fraquejar-me... Estou exausta! Peço ao Marco para não esperar a fim de avistar o número da plataforma e exijo-me um último esforço. Entro na estação, o Marco grita-me o número da plataforma e lançamo-nos na luta pela medalha dos 100m. Avisto o controlo de malas (o controlo por RaioX é constante aqui na Rússia - entre estações de comboio, correios, museus e afins) e peço, ao segurança, por favor, para que nos deixe passar. Ele manda-me contornar o controlo e corro enquanto lhe grito um "Thanks a lot". Em redor vejo as pessoas acenarem-nos para irmos rápido, zelando para que cheguemos a tempo. 
Entramos na dita plataforma e avisto o início da linha vazia, contendo, porém, ao fundo um comboio parado. Será aquele? - interrogo-me. Questiono os seguranças dentro da cabine que me apontam para a dita linha, sem que a mesma se encontre no seu campo de visão. Chamo um deles para que me aponte com exactidão o destino final, mas o mesmo não se move. Perante a minha insistência, levanta-se, por fim, e ao meu apontar ao comboio que se avista ao fundo, abana a cabeça, surpreendido, em sinal de negação. Aponta-me para a linha vazia e leio no seu gesto seguinte um "Já partiu...". 

Sem nós, portanto... 


Ao fundo o relógio marca as 22:11:31




Perspectivas russas...

Já todos conhecemos a tradição de espionagem ligada à história da Rússia, porém, jamais pensei em experienciá-la. 
Durante a visita ao Teatro Bolchoi fui abordada por um fotógrafo russo a fim de lhe fornecer o meu email para que me pudesse enviar as fotos que me havia tirado.
- Fotos? Quais fotos?
Direcciona o visor da câmara para o meu ângulo de visão e reconheço-me de imediato no écran.
Posto isto, que dizer-lhe? Enchi-me de solidariedade fotográfica [confesso que as fotografias que me dão mais prazer tirar são, de facto, os retratos...] e lá partilhei o meu e-mail.
E a fotografia lá chegou, sob a ressalva "I hope the photos are better than my terribel english :-) "

Eis-me...sob um olhar russo!




Mockba!


Chegados ao hostel secreto jantámos qualquer coisa, procurámos os pontos chaves a visitar na cidade no dia seguinte e redefinimos paragens e trajectos para o transiberiano.
No quarto de 4 beliches, ou seja, 8 camas, apenas 3 camas estavam ocupadas, sendo que duas delas seriam as nossas. Aquando da chegada ao quarto, conhecemos de imediato o nosso companheiro de camarata que soletrou qualquer coisa em russo que assumi como um <Olá, tudo bem?>, retomando a sua navegação pelo PC. As colunas ecoavam uma qualquer festa de trance. Nas 4 ou 5 vezes que entrei no quarto, encontrei-o na mesmíssima posição. Não sei se ainda influenciada pela saga Millenium, se quê... Tracei-lhe desde logo os traços de hacker e por várias vezes tive para lhe encomendar serviços de alto gabarito. Confesso que me deixei amedrontar pelo secretismo russo...
A festa de trance, cujo único apreciador  era o próprio DJ durou boa parte da noite, abrilhantando, ou não, o itinerário traçado! Mas não há nada que uma noite de sono não resolva... 
Acordamos com chuva... E partimos à descoberta!
Mockba (Moscovo) é a capital da Rússia e uma das maiores cidades do mundo, reconhecida planetariamente pelo lendário Kremlin, pela Praça Vermelha e pela  Catedral de São Basílio. Recebeu-nos com uns simpáticos 12°C.

Muito aquém do captado pelos 5 sentidos, fica um cheirinho das memórias possíveis...

Praça Vermelha
Praça Vermelha - Gum

Catedral de São Basílio
Kremlin
Kremlin
Interior do Kremkin
  
Interior do Kremlin
Kremlin
Limusine dos noivos
Repetem-se os noivos pela cidade
Cadeados colocados pelos noivos para simbolizar a  união

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Caminhos...

Lição do metro apreendida e aprovada com distinção, chegamos a Cristye Prudy, que, na verdade, só tem este nome no mapa turístico. Aparte disso, entre estações e indicações reina o mundo cirílico. Paciência, muita paciência - diz a minha avó que devagar se chega ao longe.
Saímos da estação e misturamo-nos com a multidão na tentativa de encontrar o nosso caminho. Direita! Espera... Esquerda! Mas aqui diz em frente... Observamos o mapa sucessivamente na busca da rua pretendida e mais não me parece que uma qualquer folha impressa sob as configurações erradas.
- Ei...where do you go with this bags? Are you going to sleep on the street? [Gargalhadas vodkanianas direccionadas às quatro malas que carregamos] The Backpackers... The guys of the bags!!! Yeeeeeee... - escuto à minha direita. Levanto a cabeça nessa direcção e encontro um rapaz russo, na casa dos seus 30 anos, a lançar-nos uma mão cheia de likes, em sinal de aprovação. Sorrio e penso que não há felicidade que resista a uma 6a feira à noite.
- Esquerda! - decido. Só pode ser para a esquerda - penso. E seguimos caminho na esperança de que fosse, realmente, a direcção certa.
Observo o nome das ruas perpendiculares e numa tentativa de decifrar os seus nomes sou invadida pela sensação de me encontrar na direcção errada. Nova paragem... nova revisão do mapa e nova invasão do jovem russo.
- Hello, again! - escuto sob uma voz que reconheço. - Do you need help? I can help you, really. I'm good person [agem - penso].
Observo-o uma vez mais... Cerca de 1,75m, 80Kg, casaco da Quicksilver, calças da Colombia... Revejo-nos uma vez mais após 12h de viagens e concluo que perante a hipótese de rapto, não seriamos mais que os próprios raptores. Decido escutá-lo...
- Where you go? The name of street... tell me the name- e iniciámos os três uma busca sob a rua perdida. Sob o hálito etanólico, justifica-nos-nos porque decide ajudar-nos. Na verdade, há cerca de dois anos resolveu presentear a esposa com uma visita a Veneza a fim de contemplarem o Carnaval Veneziano. Chegados à cidade sob noite cerrada, valeram-lhes duas jovem italianas que os auxiliaram no caminho para o hotel. Hoje, quando vos vai lembrei-me de nós e pensei <Vou ajudá-los!>.
- Não conheço esta rua, confesso. Mas eu ajudo-vos a encontrar, fiquem descansados - repete incessantemente. Eu sou boa pessoa - recomeça em modo Nemo [passo a expressão, a dita memória de peixe]. Olhem - aponta repetidamente para um cartão de uma qualquer empresa - eu trabalho aqui. Sou de Moscovo, os meus pais são de Moscovo, os meus avós são aqui de Moscovo e os meus bisavós igual. Fiquem descansados, não vos faço mal. Good people, I'm good people.
Não sustenho as gargalhadas e ele confessa-nos... "Fui jantar com o meu pai. Pedi uma garrafa de Whisky, um Whisky dos bons, cada garrafa de 0,50l custa cerca de 50€. O meu pai não gosta de whisky novo, restou-me bebe-lo sozinho. E agora andava por aqui a passear. Eu gosto de passear à noite pelas ruas." Quem não gosta - pensei.
E entre novas partilhas, um mapa e um google maps de um telemóvel russo, partimos em busca do hostel secreto.
E como as conversas são como as cerejas, perdemo-nos nas histórias de cada um na ânsia de encontrar dois caminhos: o do hotel e o de encontro de duas culturas tão distintas.
- É verdade que Portugal vive uma grande crise? - pergunta-nos. Contextualizamos a realidade do país, da economia e da sociedade. Olha-nos incrédulo perante o revelar do ordenado mínimo. "No way...". Não, de facto não pode ser... Mas repete-se incessantemente sobre inúmeros lares portugueses que anseiam sobreviver. - Ganho, em média, cerca de 5000€ - revela-nos. E não consigo deixar de sorrir face à minha intuição inicial sobres eventuais raptos.
Neto e filho de várias gerações militares, confessa-nos que o avô lutara na 2a Grande Guerra Mundial, vítima de um jogo meticuloso entre o matar e o morrer. Sendo que, quem não morreu, decerto matou, vezes sem conta, sob um medo imenso de quem conhece o pior da humanidade. O tempo passa, sucedem-se as ruas e hotel... nem sinal! Insistente em ajudar-nos... repete buscas no mapa, nas tecnologias e na crença de que quem tem boca vai a Roma - toca a campainhas e questiona os moradores. Observo a rua com atenção relembrando a descrição do site do hostel e eis que resolvo o quebra-cabeças: ei-lo, o portão preto de ferro.
Chegámos... mais de 1h30 depois entramos no hostel sobre gargalhadas e cumplicidades. E por entre ruas confusas e portas perdidas, nunca, em momento algum, me senti perdida. Porque, de facto, não há caminhos em vão...

Trocámos abraços e despedimo-nos. Mas não, sem antes, parar o momento para a posterioridade...




Simpático Yiruma

Aeroexpress Train - Metro e... Uma maquina de bilhetes com opção de inglês. Os nossos olhos rejubilam de felicidade. Destino, quantidade e opção entre o de 30rub e o de 60rub. Escusado será dizer que perante os 2, ignorei de imediato o de 60. Não fosse eu portuguesa de gema, clara e casca. "Espera" - grita o Marco. "Devem ser as zonas...". De certo o rapaz terá uma costela suiça ou alemã no que toca a regras... Bem, eu diria uma costela, um fígado, uma perna e uma média de uns 30 pares de cromossonas nos 23 existentes. Perante a desordem dos costumes locais, escuto um "Do you need help?'". Help? Há gente que sabe ajudar em Moscovo? Ou melhor, que sabe ajudar em inglês? Observo, incrédula, o rapaz e reconheço-lhe as características asiáticas. Olhos rasgados, pele morena e sorriso fácil. Explico-lhe a nossa dúvida existencial e escuto o tilintar da resposta certa sobre mim. 30rublos cada bilhete...  Independentemente do percurso a escolher.
 "That's the only one thing cheap in Moscow." conclui o Yiruma (baptizo-o assim em homenagem a um dos meus pianistas preferidos).
Primeiros dedos de conversa... E se há coisa que me faz viajar dentro das viagens são, de longe, as muitas conversas partilhadas ao sabor um cappuccino, no banco de comboio ou, tão somente, numa estação de metro. O Yiruma, natural de Singapura, trabalha em Moscovo há 2 anos, para a Singapure Airlines. Trocas culturais, historias de vida e uma descrição perfeita sobre o funcionamento do metro em Moscovo. Após nos deixar na plataforma correcta, despedimo-nos e seguimos caminho. Não sem antes lhe agradecer com o mesmo sorriso fácil.
Em sua homenagem, deixo-vos com um video de Yiruma... este de nacionalidade Coreana!





Добро пожаловать в Россию

17h35

8h depois da nossa partida, chegamos a Moscovo, ao aeroporto de Domodedovo. 48km separam o maior aeroporto russo do centro de Moscovo ao centro da cidade, cujo trajecto poderá ser feito através do Aeroexpress Train, em cerca de 45min.

Mas antes, precisamos de passar o Controlo Alfandegário... Boa Sorte! As filas amontoam-se e uma policia tipicamente russa (leia-se gorda, alta, loira e de bigode modesto) grita ordens sobre um mar de gente que lhe obedece de imediato. Quem a entende, claro está... Face à minha cara de incompreensão absoluta, desiste facilmente de mim, englobando-me nos casos perdidos. Menos mal...

1h30 depois... Chego finalmente ao balcão alfandegário. A Matrioska Swat deu lugar a um jovem Agente Russo cuja inocência da juventude (e da magreza,confessemos...) não lhe permitia tamanha dureza. Passaporte, pesquisa infindável pelo computador e eis a minha vida descrita num qualquer PC russo. "Where are you from?" pergunta-me o rapaz numa procura incessante pelas 7 diferenças entre a viajante do passaporte e aquela ali presente. "Portugal" - respondo. "No, now!!!". "Portugal" repito. "Now!!!" insiste. "How now?... I'm portuguese...now and always!". "No! Your flight...". <O meu voo? Mas este gajo é burro? O meu voo o quê??????? Sou portuguesa e.............. Ahhhhhh, fez-se luz! De onde é que eu venho agora... Madrid, claro, o voo fez escala em Madrid.> Perante a lâmpada que se acende sobre mim, vejo-o aguardar impacientemente a minha resposta. "Madrid- respondo." E perante o seu sorriso, oico o Malato premiar a minha resposta correcta com 5000 euros.


Добро пожаловать в Россию
(Bem-vinda à Rússia)





Destino: Transiberiano!!!

Todos temos os nossos destinos de eleição... Viagens que guardamos religiosamente na nossa Bucket List! 
Este é, sem dúvida, um deles...
A rota transiberiana é, tão somente, parte do maior trajecto ferroviário do mundo, atravessando a Rússia ao longo de cerca de 9289 km. De Moscovo a Vladisvotok, percorre 8 fusos horários e atravessa centenas de cidades e vilarejos. 
Uma das rotas alternativas liga Moscovo a Pequim, numa fusão do transiberiano com o transmongoliano. Rússia, Mongólia e China... Será por aqui que nos encontrarão nos próximos 28 dias. 


terça-feira, 22 de outubro de 2013

O dia em que fui...

...resulta, tão somente, da viagem diária e constante em que vivemos.
E o dia em que fui/vamos, encerra em si um infindável número de viagens e peripécias que resultam naquilo que somos. Porque, de facto, viajamos todos os dias, mesmo, quando, de uma perspectiva física, nos mantemos em repouso.
Descreve-nos a Física que, até mesmo quando estamos em repouso face ao referencial Terra, permanecemos em movimento no que concerne ao referencial Sol.
Posto isto, resta-nos disfrutar da viagem...
Bem-vindos a bordo!