quinta-feira, 23 de outubro de 2014

भारत में आपका स्वागत है

Para os menos poliglotas e, como tal, menos aptos para o Hindu, leia-se como título deste post um simpático 'Bem-vindo à Índia'.
23h25 E eis que depois de mais de 24h em vôos e escalas, aterramos em Nova Deli. O calor faz-se sentir de imediato e caminhamos a passos largos rumo ao serviço fronteiriço... passaporte check, visto check... 
"Welcome to Incredible Índia!"
E começa a verdadeira aventura...
Recuperamos as malas (fico sempre verdadeiramente feliz quando as vejo descer no tapete rolante), utilizamos, pela última vez nos próximos 20 dias, uma casa-de-banho dita capaz e rumamos ao exterior. Confesso que, neste instante, já invadida por um friozinho na barriga... E, perante o ar turístico que tanto nos caracteriza por aqui, vejo o olhar cintilante de dezenas de taxistas e condutores de tuk-tuk quando nos avistam... Não tenho sequer tempo de olhar para o Marco quando somos, de imediato, invadidos pelos préstimos dos seus serviços "Wellllllcame", "Uere ari iu frrome?", "Táxi?", "Can helpe iu?", "Uere ari iu go?". Respiro fundo, rodo a cabeça na direcção do Marco e dou-lhe indicação para seguirmos para a direita. "Ignora-os"- digo-lhe, recordando-me das 300 recomendações que recebi entre conselhos amigos e testemunhos na internet. Caminhamos em passo largo rumo ao nada enquanto tentamos compreender onde pára o quiosque da companhia de táxis que procuramos (Delhi Police Pré-paid Táxi) de forma a minimizar qualquer um dos 1001 esquemas existentes para enganar turistas. Sim, minimizar... porque na Índia tudo é possível de acontecer... e eu diria até, inspirada nos testemunhos que me chegaram, com grande probabilidade de.
Avistamos à esquerda um quiosque idêntico ao que haviamos visto no site oficial da companhia e caminhamos na sua direcção, sempre acompanhados de alguns dos condutores, resistentes, que caminham junto a nós insistindo nas perguntas e nas recomendações. 
Chegamos ao quiosque e à nossa frente apenas um outro viajante, indiano, compra o seu trajecto. Perante o ruído sonoro em nosso redor (causado, claro está, pelas tentativas de dissuasão dos 3 condutores sobreviventes), vejo-o direccionar a cabeça face a nós. Reconhecendo-nos o ar perdido, pergunta-nos se precisamos de ajuda. Recusamos no receio de ser mais um esquema indiano (agora enquanto escrevo, não posso deixar de me rir de tamanho absurdo). 
Next... e resta-nos acreditar na sorte e nas boas energias.
- Pre-paid taxi to Old Delhi Station, please. 
- 600 rupies. That is your car - apontando-nos para um veículo de quatro rodas do qual tive sérias dúvidas se seria capaz de circular 50 metros. 
Entramos dentro do carro, onde se encontra já o condutor.
- Estás dentro de um carro que não tem menos de 60 anos - escuto o Marco dizer-me num entusiasmo sem igual.
- E estás a ser conduzido no meio de nenhures por um miúdo que não deve ter mais de 14 anos - respondo sem conseguir encontrar qualquer ânimo na situação.
Cerca de 20km distanciam o aeroporto da estação de comboio de Old Delhi.
Olho o relógio que marca 1h30 da manhã, hora local. A noite lá fora segue o seu rumo, para apenas ser interrompida subtilmente por raros candeeiros cuja luz se revela menos que ténue.
As ruas dormem do reboliço provável do dia... nas margens, nos separadores centrais, ou em qualquer outro recanto, dormem consigo milhares e milhares de corpos emagrecidos que alguém chamou de sem-abrigos. A contagem revelou-se impossivel nos primeiros 100 metros... 
Procuro um sinal de vida do lado de fora da janela, sem sucesso... permanecem imóveis como qualquer corpo morto. Com eles, outros tantos milhares de crianças. Baixo a cabeça numa tentativa de não me emocionar e observo o iPhone que carrego na mão direita. Sinto-me verdadeiramente insignificante! Pergunto-me, pela primeira vez entre tantas viagens, 'o que raio estou aqui a fazer?'.
Chegamos à estação cerca de 30 minutos depois... divido-me entre a satisfação decorrida do trajecto sem incidentes e o desalento de permanecer naquela estação mais de 2h até ao meu comboio. Tento respirar fundo e convencer-me de que sou capaz. 
Malas às costas, dirigimo-nos à entrada da estação contornando os corpos que se amontoam ao redor. Entramos na estação e repetem-se os tapetes humanos pelas plataformas. Voltamos a sair da estação... Ao fundo uma espécie de café alberga meia dúzia de jovens que navegam pelas suas tecnologias. Optamos por nos manter por aí, pedindo duas coca-colas imediatamente servidas em duas garrafas de vidro bem frias.
Havia-me preparado para tudo, pensara eu... tive receio dos cheiros, da sujidade permanente, dos roedores constantes, da pobreza... mas o que mais nos magoa na Índia é a sua capacidade de levar os nossos 5 sentidos ao limite. Nunca se está preparado para a Índia. Se já havia contactado com a verdadeira pobreza, esta miséria surge-me como uma intrusa nova e verdadeiramente dolorosa. Transcende a fome, o frio, a insegurança, a solidão... é tudo o que existe para além disso.
No aproximar da hora, resolvemos regressar ao interior da estação a fim de encontrar a nossa plataforma.
Raros candeeiros iluminam o percurso. Procuramos o placard geral, avistamos o número da plataforma e encaminhamo-nos na sua direcção.
Os corpos imóveis ignoram a nossa passagem enquanto os cães moribundos se afastam assustados tão somente pelo nosso caminhar. Afasto o olhar da miséria evidente nos seus corpos. Recordo as palavras, de tantas vezes, da minha mãe: "Até para se ser cão é preciso ter sorte, Ana!".
Aí chegados, permanecemos imóveis enquanto aguardamos, em silêncio, pela chegada do nosso comboio.
Bem-vindos à verdadeira Índia... bem longe dos roteiros turísticos, é um facto! 
Mas é esta a Incredible Índia... e é aqui que começa a viagem dentro da viagem.


terça-feira, 21 de outubro de 2014

Destino: Índia!!!

A Índia, o segundo país mais populoso do mundo, localiza-se na Ásia Meridional e cruza fronteiras com o Paquistão, a oeste, a China e o Butão, a norte, e com a Birmânia e o Bangladesh, a leste.
Mas a Índia é muito mais do que isso... é um espaço aberto ao impossível, onde da mesma forma que tudo é possível de acontecer, também tudo é passível de ser resolvido! 
É um misto de agora e depois, de vamos e ficamos, de gosto e desgosto, de doce e salgado, de cores e cinzas que se espalham por um país repleto de tudo e nada. É a "Incredible Índia" (slogan utilizado pelo governo indiano)... e isso, por si só, diz tudo e mais alguma coisa ainda...
Desde que me lembro de viajar, a Índia constou no roteiro da "próxima viagem" ano após ano... adiada tantas vezes pelo comodismo, pelos preços avultados dos vôos ou, simplesmente, porque o caminho não era por aí. E porquê a Índia...?! Porque quem viaja pelo encontro com o mundo e com o outro sabe que a Índia é a viagem dentro da viagem da viagem!
E isso, por si só, deixa em mim tanto de expectativa quanto de desassossego... afinal, que especiarias e sabores me ficarão destes trilhos pela incrível Índia?!
Provaremo-los, por aqui, nos próximos 20 dias... entre Jaipur, Pushkar, Jodhpur, Udaipur, Agra, Varanasi e Deli.
Boas viagens...


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Rumo a Cazã...


Cerca de 14h separam Moscovo de Cazã, numa distância de 820 km. Mais uma noite passada sobre carris... E mais uma vez em classe obshchiy, ou seja, sentadoooooooos.
Desta vez, o cansaço abona a nosso favor e a dormida será, portanto, ponto acente.
Ligo o iPod e capto a travessia nocturna pelos vilarejos ao som de Sigur Rós. Recordo as horas de investigação na preparação possível para esta viagem. Recordo, ainda, as muitas viagens que trilhámos pela noite dentro, em que a pequenez daquela sala de tratamento se estendia ao tamanho do mundo. Valham-nos esses trilhos infindáveis que nos levam onde a imaginação nos permite chegar. E a loucura do ir, quando o mundo teima em nos convencer a ficar...
"Thanks... A lot..."





quarta-feira, 30 de outubro de 2013

De regresso a Moscovo [parte II]...


Por fim, encontro dois russos na entrada de um edifício e abordo-os na esperança que me revelem, pelo menos, a rua em que se encontra o consulado.
- English? Do you speak english?
E o rosto fecha-se de imediato, recusando qualquer tipo de conversação. Tento iniciar todo um jogo de mímica que o meu destinatário ignora ao primeiro gesto.
Seguimos caminho..
Ao fundo, uma jovem e uma mulher dos seus 45 anos fumam um cigarro numa qualquer pausa durante o trabalho. Relembro a simpatia e os gestos verdadeiramente solidários com que a Rússia nos presenteou e dirijo-me a elas com pensamento positivo.
- Sorry, do you speak english? - pergunto, dirigindo o meu olhar na direcção da jovem dos seus 20 anos. Loira, de olhos rasgados e sorriso fácil, abanou a cabeça num sinal de negação. Não tinha mais de 1,60m, nem de 60kg. A sua beleza era inegável.
- Mongólia Embassy? - insisto. Novo aceno de cabeça. Mostro-lhe o mapa indicando-lhe a localização possível. Explico-lhe, gestualmente, a existência de uma igreja na mesma rua. Troca uma dúzia de palavras com a senhora ao seu lado que me inunda de perguntas num russo que, uma vez mais, não compreendo de forma alguma. Sorrio, numa mistura de vergonha e impotência.
- Desculpe, mas eu não consigo entênde-la! - respondo-lhe em português sincero e cansado.
Perante a desilusão do meu olhar manda-me esperar. Arranca-me o mapa da mão, onde havia antes escrito a morada do consulado, e entra porta dentro.
A jovem permanece, de sorriso fácil, junto de nós. Peço-lhe desculpa - pelo incómodo, por lhe roubar a pausa de chill out e por não ter memorizado devidamente a rua do consulado.
Sorri, uma vez mais, gesticulando uma espécie de "Não tem problema". Sorrio, em forma de agradecimento.
Cerca de 20min depois, abre-se a porta do edifício e avisto-a por entre um mar de papéis. Dirige-se a mim e reconheço o percurso traçado pelo google maps numa impressão precária, mas suficientemente perceptível, de uma impressora decerto retrógrada. Sorrio, uma vez mais envergonhada pelo transtorno causado.
Agradeço-lhes, verdadeiramente grata... Observo o mapa encriptado por um cirílico imperceptível e rezo para que não me conduza para a Embaixada ao invés do Consulado. Iniciamos o trajecto em passo acelerado. Primeira rua para a direita, segunda rua para a esquerda, nova rua à direita e eis que reconheço ao fundo a torre da igreja. Respiro de alívio, enquanto acelero o passo no desejo infindável de reencontrar o meu passaporte com o raio do visto.
Entro no prédio, novos controlos de entrada e dirijo-me ao guichet. Sob o vidro espelhado, vejo surgir os dois passaportes. No seu interior os vistos de 30 dias para a Mongólia... Não consigo deixar de sorrir...
Aproveitamos a proximidade e traçamos caminho pela Rua Arbat. A rua mais antiga de Moscovo inunda-se de pedestres, num entra e sai constante por entre as muitas lojas que a constituem. É impossível não encontrar o que quer que seja por aqui... A tarde esmorece! Percorremos a rua mais central de Moscovo até ao metro... é hora de "parar em todas as estações e apeadeiros". Sim, porque as 188 estações de metro são autênticas galerias de arte a céu escavado. E todas disponíveis pela módica quantia de 30RBL. Paragens obrigatórias, portanto... Na impossibilidade de visitar todas, iniciamos o roteiro que havíamos traçado com base nas supostas vinte estações mais bonitas de Moscovo. Torna-se inevitável a viagem no tempo.
Observo o relógio... 18:00 em ponto... recordo as malas abandonadas num qualquer museu e retomamos a viagem de metro rumo à estação pretendida. Viagem essa que, em hora de ponta, se revela uma tarefa árdua e longa. Não passassem, DIARIAMENTE, pelo metro de Moscovo 7 milhões de pessoas. Sim, milhões...
45 minutos depois, chegamos à estação desejada, envoltos numa nuvem de cansaço e sonolência... 19:30, relembro, o museu encerra às 19h30. Mergulho numa caixa de pessimismo e ocorre-me a hipótese de não chegar a horas. Afasto de imediato a ideia e acelero o passo...
Escadas rolantes, corredores intermináveis, novas escadas rolantes e avisto, finalmente, a superfície... Sinto o peso da impaciência nos meus ombros. As pessoas multiplicam-se numa tentativa incessante de chegar a casa e tropeço, de forma repetida, nos corpos que se me atravessam. Um tic-tac ensurdecedor ecoa sob mim e recrio os cenários possíveis face à possibilidade de não levantar as malas.
Das três uma...
A. Desisto do comboio para Kazã a fim de levantar as malas amanhã de manhã, na reabertura do Museu
B. Desisto das malas e sigo viagem com a restante bagagem
C. Parto o vidro da janela da casa-de-banho e invado o Museu até aos bengaleiros
Perante as possibilidades existentes, não encontro outra opção que não seja a de invadir o Museu de assalto. Sinto, já, o olhar reprovador do Marco mesmo antes de partilhar com ele o meu plano.
Cá fora, noite feita sobre um trânsito intenso típico de qualquer capital em hora de ponta. Olho em redor e, ao fundo, vejo, finalmente, o Park Gorby e acelero o passo na direcção da entrada. Passamos o portão e procuro ansiosamente qualquer marca que me surja familiar. Em vão... caminhamos sem qualquer intuição, como se visitássemos aquele espaço pela primeira vez. O passar do tempo massacra-me sob uma impaciência que não consigo controlar. Tento perguntar uma e outra vez... "No english!!!" - escuto repetidamente. Insisto uma última vez sob o desespero de andar à deriva em mar alto...
"Art Gallery?"- questiono sob a mais simples construção frásica. Nas diversas tentativas, alguém parece compreender-me e aponta na direcção aposta àquela em que nos encontramos. Será, algures, do outro lado do parque, por detrás do trânsito da vida que, tantas vezes, nos rouba a capacidade de avistar mais além. Curioso como teimamos em percorrer os caminhos já traçados ou, na loucura de um espírito dito livre, paralelos aos já existentes. Tememos o incerto, a quebra das rotinas, o trilho cujo destino se revelerá uma surpresa absoluta... filhos obedientes do célebre ensinamento "Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar". E vivemos enclausurados no destino que preferimos acreditar ser o nosso... no "Podia..." constante que preferimos perante a possibilidade de arriscar este mundo e o outro na busca da liberdade total.
"- Ninguém é realmente livre, Raquel!" - recordo-me de escutar vezes sem conta.
Somos todos livres... uns mais que outros, é certo... mas a liberdade é, tão somente, aquilo que fazemos dela, e bifurca, exclusivamente, nos nossos limites. Não esperes atingir o céu quando a ideia de dois pássaros livres voando te surge como um sinal de perda... A nossa liberdade termina, precisamente, onde terminam os nossos sonhos.
Regresso ao Park Gorby e adiantamos o passo na direcção oposta. Os semáforos verdes tardam, repetidamente... e a caminhada apressada dá lugar a uma corrida árdua. Pela 1ª vez pergunto-me porque raio não fui para a célebre Punta Cana, cujo maior dilema se prenderá com a escolha do melhor Cocktail. Atravessamos o parque e avisto, finalmente, ao fundo, o edíficio... O relógio marca as 19h15. Corremos para a entrada, passamos o controlo de Rx sobre o olhar reprovador do segurança e rumamos ao bengaleiro. A ficha numerada é trocada pelas malas de tantas viagens. Respiro fundo, confesso, emocionada. Abandonamos o Museu. Sinto o vento frio sobre a cara e não contenho as lágrimas. Choro. Envolta na ansiedade, no incerto, nas dúvidas sobre mim mesma e no cansaço das muitas horas mal dormidas. Deixo-me fraquejar, em silêncio, sobre o olhar perplexo do Marco.
Menos que cinco minutos passados... e eis que regresso a mim mesma.
 - Moscovo - sussurro. - Estou em Moscovo! - relembro-me.
E, inevitavelmente, sorrio sobre o reflexo das últimas lágrimas.
Mochilas sobre os ombros... é hora de rumar ao hostel a fim de recuperar as restantes malas aí abandonadas dias antes. 

Para a posteriori... algumas imagens do Metro de Moscovo.










De regresso a Moscovo


Cerca de 7h30 depois, ei-nos de regresso a Moscovo. Tal como previsto [e não tivéssemos nós já comprovado a pontualidade russa...], chegámos à hora estimada: 5h40.
Noite cerrada e sob temperaturas pouco convidativas a uma ronda  prévia pela cidade, procurámos um lounge room a fim de 'pernoitar' por mais umas duas horas. O tráfego humano a que se assiste não deixa adivinhar que o dia mal começou. 
Encontrámos o spot idealizado, confesso que com o avançar da hora não estávamos propriamente exigentes, e instalámo-nos como pudemos. O cansaço concedeu-lhe o ingrediente essencial... e, como diria o meu sogro Chico, dormimos como o cão, com um olho fechado e outro sempre aberto. 
Escuto um qualquer sermão russo, abro o olho que havia fechado e avisto um qualquer segurança que, na impossibilidade de dormir [nem mesmo na versão de dormida do cão], resolvera acordar todos os que entre o chegar e o partir procuravam descansar. Sendo que, falamos da grande maioria dos presentes.
Não tendo como o insultar em russo, face aos meus escassos conhecimentos na língua, confesso que com o meu melhor sorriso lhe pronunciei em bom português tudo aquilo que o meu pai Zé não se orgulharia decerto de escutar. Não me devolveu o sono de cão mas confesso que me levou o mau humor levantado pelo mau acordar.
Permanecemos por ali mais um pouco e resolvemos seguir viagem. Prioridade imediata: deixar as duas malas que havíamos levado para St. Petersburgo num qualquer cacifo, já que à noite seria hora de partir rumo a Cazã. Subimos escadas, descemos escadas, entramos na sala da direita, da esquerda, do meio, do fundo e mais houvesse e lá encontramos o raio dos cacifos. Por gestos, lá perguntamos o preço e a resposta lá surge, para não variar, num russo de tal forma perfeito que somos incapazes de o decifrar. Rimo-nos... o que parece resultar, já que por detrás do rosto pouco simpático lá surge uma máquina calculadora com os rublos a pagar. Conversão mental e perante o resultado obtido, resolvemos seguir de malas e afins. Bem diz a mãe Rosário que quando me bate a mão de vaca, bate-me bem. Seguimos viagem, de mala às costas.
Primeiro destino: Embaixada da Mongólia. Na inexistência de consulado/embaixada em Portugal restavam-nos duas possibilidades: ou enviar os Passaportes para Londres, sendo que precisaríamos de cerca de duas semanas para todo o processo, que não tínhamos; ou fazer aqui em Moscovo, uma vez cá. Inconvenientes: não sabíamos ao certo quanto tempo levaria o visto, o que nos poderia reter em Moscovo. Perante a falta de alternativas, restava-nos acreditar...
De regresso a Moscovo, a cidade calma que havíamos conhecido no passado sábado dera lugar a uma metrópole em constante  ebulição.
Chegámos à Embaixada com a ajuda do google maps [abençoadas tecnologias] e somos recebidos por um simpático mongoliano que nos explica que a embaixada está fechada e que para qualquer assunto teríamos que regressar no dia seguinte. PÂNICO. 
- Para efeitos de vistos - completa - podem deslocar-se ao consulado.
- Hoje? - pergunto esperançada.
- Sim, sim! - responde-nos enquanto escreve o endereço num papel.
Respiramos de alívio e seguimos caminho, de mochila às costas, claro está.
Nova procura e entre sucessos e insucessos lá encontramos o Consulado por entre ruelas aprumadas e repletas de veículos de luxo pagos pelos mesmos de sempre. Haja dinheiro...
Registos de entrada. First floor - indica-nos o segurança, e lá seguimos nós num misto de ansiedade e esperança.
- Hello! We need a Turist Visa EXPRESS to Mongólia, please! - solicita o Marco. E num inglês imperfeito e de difícil pronúncia, lá vamos recebendo as ordens sobre os documentos exigidos e os impressos a preencher. Novo inquérito interminável sobre as nossas pessoas e eis que me encho de coragem para a pergunta cuja respostas tanto receamos.
- When it's ready? - faço figas.
- 3 o'clock.
- Today?
- Yes!
E eis que sou invadida por uma euforia imensa que me irradia todo o dia. Ou assim pensava eu.
O resto da manhã foi reservada para visitarmos alguns pontos em falta: Art Gallery, Gorky Park, Red October, ...
Começamos pelo Art Gallery já que poderíamos aproveitar para deixar as malas no bengaleiro e regressar mais tarde, ao final do dia, para as levantar. Ideias à bom português, não fossemos nós peritos em contornar o sistema.
Seguimos viagem, procuramos pontos esquecidos ou adiados no sábado anterior e, ao aproximar da hora exigida, rumamos ao consulado. Nova sucessão de ruas e numa simetria perfeita repetimos erros e de se encontramos o destino. Novas tentativas e novos insucessos. Com eles, o aproximar da hora... 
Perguntamos indicações cujas respostas nos chegam sob a incompreensão do pretendido. Não há trivial pursuit que nos salve desta vez. 
Revejo o mapa na tentativa de identificar ruas perpendiculares... Já que alguém concedera à rua insignificância tal que a mesma surgia naquele pobre mapa sob nome incógnito, filha de ninguéns!
O relógio marca as 15h e repito para mim mesma a hora de fecho do consulado: 16h30.


(...be continued...)




terça-feira, 29 de outubro de 2013

As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade...

Despeço-me sempre dos locais e das pessoas com a melancolia própria de quem sabe que o reencontro será pouco provável. Confesso que, por muito que reconheça a veracidade desta situação, sou incapaz de lidar com as despedidas com a naturalidade inerente. Ao invés, vejo-me sempre repartir entre a emoção do que advirá do amanhã e uma saudade imensa do que adveio do ontem. Saudade essa que permanece em mim para além do tempo ou do espaço... e cujas personagens e cenários me invadem semanas, meses e anos depois, nesta coisa fantástica a que chamamos de memória.
Levem-me toda e qualquer parte de mim... deixem-me as memórias... Existirei, por mim mesma. Viajarei... sem início, meio ou fim...



                           


domingo, 27 de outubro de 2013

El padrini de Peter...


Chegámos ao hostel já tarde avançada... Perderamos algum tempo no supermercado a fim de comprar natas para o jantar. No final de contas, e após tentarmos comprovar o sucesso da compra junto da rapariga da recepção, percebemos que havíamos comprado leite para o café. Mais um sucesso do 'Food translate'... 
Recolhemos as malas que havíamos deixado na recepção de manhã e levamo-las para os quartos. Quartos? Sim, quartos... Acabamos de perceber que os quartos múltiplos são divididos por género. Não vá o pessoal entusiasmar-se e afins. 
No meu quarto 6 camas, sendo que 5 das quais desocupadas. No quarto do Marco 4 camas, duas ocupadas por dois russos e uma terceira com um jovem chinês, de Hong Kong, que resolvera visitar Moscovo e St. Petersburgo.
Pousadas as malas, instalámo-nos na cozinha/sala comum a fim de preparar o jantar. No computador, um dos companheiros de quarto do Marco que de imediato assemelho a uma qualquer personagem de um qualquer filme de espionagem russo. Os seus olhos brilhavam a poucos centímetros do PC. Gargalhadas sucediam-se sob a visualização consecutivas de sketch's de um qualquer "Gato Fedorento" russo. 
Do rádio ecoava uma qualquer música romântica russa. Retiro os ingredientes do saco, procuro o fogão em todas as direcções e, não encontrando-o, mostro o pacote de massa ao rapaz [leia-se rapaz com os seus 35 anos] na esperança que me o indique. Inicia-se, assim, toda uma explicação em russo. 
- Sorry, I don't speak russian! - interrompo-o. 
E inicia-se, assim, toda uma nova explicação, desta vez mais pausada e mais audível, já que o volume fora aumentado, mas, ainda assim, em russo.
Conclusão: toca a puxar pela imaginação, já que também não há fogão. Pergunta do dia: como transformar um pacote de massa, um pacote de leite para o café, cogumelos e milho numa espécie de massa à carbonara?
E decido cozer a massa no microondas. O resultado final foi, provavelmente, o pior prato que já cozinhei na minha vida. Por favor, NÃO TENTEM ISTO EM CASA. 
- Where are you from? - pergunto ao rapaz, arriscando toda uma nova explicação em russo.
- Russian - responde-me.
- Moscow?
- Moscow and St. Petersburgo - responde-me, explicando-me, por entre gestos, que trabalha entre uma e outra.
- Daví - revela-me o seu nome enquanto me estende a mão. 
- Raquel - correspondo. 
E traçamos amizade pelos próximos 3 dias, repetindo rotinas. A banda sonora do 1° dia é substituída pelos Hits 1998 e recordo Enrique Iglesias e outras relíquias similares. Cantarolamos juntos [não, Luís Pereira, o russo não teceu qualquer comentário negativo face aos meus escassos dotes musicais] e apresento o jovem de trabalho duvidoso à minha mãe, via Skype. Trocamos mantimentos e prometo não identificá-lo quando a polícia entrar de rompante à sua procura.

Para a posterioridade, a prova viva de que confraternizei com um membro da máfia russa...