quinta-feira, 23 de outubro de 2014

भारत में आपका स्वागत है

Para os menos poliglotas e, como tal, menos aptos para o Hindu, leia-se como título deste post um simpático 'Bem-vindo à Índia'.
23h25 E eis que depois de mais de 24h em vôos e escalas, aterramos em Nova Deli. O calor faz-se sentir de imediato e caminhamos a passos largos rumo ao serviço fronteiriço... passaporte check, visto check... 
"Welcome to Incredible Índia!"
E começa a verdadeira aventura...
Recuperamos as malas (fico sempre verdadeiramente feliz quando as vejo descer no tapete rolante), utilizamos, pela última vez nos próximos 20 dias, uma casa-de-banho dita capaz e rumamos ao exterior. Confesso que, neste instante, já invadida por um friozinho na barriga... E, perante o ar turístico que tanto nos caracteriza por aqui, vejo o olhar cintilante de dezenas de taxistas e condutores de tuk-tuk quando nos avistam... Não tenho sequer tempo de olhar para o Marco quando somos, de imediato, invadidos pelos préstimos dos seus serviços "Wellllllcame", "Uere ari iu frrome?", "Táxi?", "Can helpe iu?", "Uere ari iu go?". Respiro fundo, rodo a cabeça na direcção do Marco e dou-lhe indicação para seguirmos para a direita. "Ignora-os"- digo-lhe, recordando-me das 300 recomendações que recebi entre conselhos amigos e testemunhos na internet. Caminhamos em passo largo rumo ao nada enquanto tentamos compreender onde pára o quiosque da companhia de táxis que procuramos (Delhi Police Pré-paid Táxi) de forma a minimizar qualquer um dos 1001 esquemas existentes para enganar turistas. Sim, minimizar... porque na Índia tudo é possível de acontecer... e eu diria até, inspirada nos testemunhos que me chegaram, com grande probabilidade de.
Avistamos à esquerda um quiosque idêntico ao que haviamos visto no site oficial da companhia e caminhamos na sua direcção, sempre acompanhados de alguns dos condutores, resistentes, que caminham junto a nós insistindo nas perguntas e nas recomendações. 
Chegamos ao quiosque e à nossa frente apenas um outro viajante, indiano, compra o seu trajecto. Perante o ruído sonoro em nosso redor (causado, claro está, pelas tentativas de dissuasão dos 3 condutores sobreviventes), vejo-o direccionar a cabeça face a nós. Reconhecendo-nos o ar perdido, pergunta-nos se precisamos de ajuda. Recusamos no receio de ser mais um esquema indiano (agora enquanto escrevo, não posso deixar de me rir de tamanho absurdo). 
Next... e resta-nos acreditar na sorte e nas boas energias.
- Pre-paid taxi to Old Delhi Station, please. 
- 600 rupies. That is your car - apontando-nos para um veículo de quatro rodas do qual tive sérias dúvidas se seria capaz de circular 50 metros. 
Entramos dentro do carro, onde se encontra já o condutor.
- Estás dentro de um carro que não tem menos de 60 anos - escuto o Marco dizer-me num entusiasmo sem igual.
- E estás a ser conduzido no meio de nenhures por um miúdo que não deve ter mais de 14 anos - respondo sem conseguir encontrar qualquer ânimo na situação.
Cerca de 20km distanciam o aeroporto da estação de comboio de Old Delhi.
Olho o relógio que marca 1h30 da manhã, hora local. A noite lá fora segue o seu rumo, para apenas ser interrompida subtilmente por raros candeeiros cuja luz se revela menos que ténue.
As ruas dormem do reboliço provável do dia... nas margens, nos separadores centrais, ou em qualquer outro recanto, dormem consigo milhares e milhares de corpos emagrecidos que alguém chamou de sem-abrigos. A contagem revelou-se impossivel nos primeiros 100 metros... 
Procuro um sinal de vida do lado de fora da janela, sem sucesso... permanecem imóveis como qualquer corpo morto. Com eles, outros tantos milhares de crianças. Baixo a cabeça numa tentativa de não me emocionar e observo o iPhone que carrego na mão direita. Sinto-me verdadeiramente insignificante! Pergunto-me, pela primeira vez entre tantas viagens, 'o que raio estou aqui a fazer?'.
Chegamos à estação cerca de 30 minutos depois... divido-me entre a satisfação decorrida do trajecto sem incidentes e o desalento de permanecer naquela estação mais de 2h até ao meu comboio. Tento respirar fundo e convencer-me de que sou capaz. 
Malas às costas, dirigimo-nos à entrada da estação contornando os corpos que se amontoam ao redor. Entramos na estação e repetem-se os tapetes humanos pelas plataformas. Voltamos a sair da estação... Ao fundo uma espécie de café alberga meia dúzia de jovens que navegam pelas suas tecnologias. Optamos por nos manter por aí, pedindo duas coca-colas imediatamente servidas em duas garrafas de vidro bem frias.
Havia-me preparado para tudo, pensara eu... tive receio dos cheiros, da sujidade permanente, dos roedores constantes, da pobreza... mas o que mais nos magoa na Índia é a sua capacidade de levar os nossos 5 sentidos ao limite. Nunca se está preparado para a Índia. Se já havia contactado com a verdadeira pobreza, esta miséria surge-me como uma intrusa nova e verdadeiramente dolorosa. Transcende a fome, o frio, a insegurança, a solidão... é tudo o que existe para além disso.
No aproximar da hora, resolvemos regressar ao interior da estação a fim de encontrar a nossa plataforma.
Raros candeeiros iluminam o percurso. Procuramos o placard geral, avistamos o número da plataforma e encaminhamo-nos na sua direcção.
Os corpos imóveis ignoram a nossa passagem enquanto os cães moribundos se afastam assustados tão somente pelo nosso caminhar. Afasto o olhar da miséria evidente nos seus corpos. Recordo as palavras, de tantas vezes, da minha mãe: "Até para se ser cão é preciso ter sorte, Ana!".
Aí chegados, permanecemos imóveis enquanto aguardamos, em silêncio, pela chegada do nosso comboio.
Bem-vindos à verdadeira Índia... bem longe dos roteiros turísticos, é um facto! 
Mas é esta a Incredible Índia... e é aqui que começa a viagem dentro da viagem.


3 comentários:

  1. Quando pensas que mais nada te surpreende, ai chego a verdadeira realidade e encosta-te a um canto... Parece "brega", mas lembro-me sempre do dizer "sê feliz pelas pequenas coisa"... Tenho saudades tuas e das tuas palavras! Espero um update dessa viagem dentro duma viagem para breve! Beijo

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  2. Por muito que queira comentar, não consigo encontrar palavras para o fazer.
    Como é habitual, levaste-me até essa estação por breves minutos (ironicamente estou na aula de Saúde Pública!!) e vi pelos teus olhos o cenário "incomentável".
    Um beijinho e um abraço ao wingman!!

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  3. Adoro as tuas palavras minha querida raquel...acabei de viajar e mergulhar num mar de sentimentos, infelizmente trites... realmente como podemos nós nos queixarmos da algumas coisas do nosso dia a dia, comparado com a realidade de algumas pessoas... :( beijinho doce e até breve** Sónia Pi*

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